quinta-feira, 28 de junho de 2012

“O que é notícia aqui é notícia no The New York Times” | João Eça




por Virgínia Andrade, Sofia Greve e Maria Dominguez


Um jornalista com muita história para contar! Esse é João Eça, ex-repórter e hoje editor de Polícia do Jornal Massa!. Formado há pouco mais de dois anos pela Facom, já soma vasta experiência. Durante os cinco anos que esteve na faculdade, circulou por diversos veículos de comunicação. Desde a Rádio Sociedade, onde permaneceu por 2 anos, até o Jornal A TARDE, passando também pelo Itapoãn Online. Depois de formado, trabalhou no site Teia de Notícias e no Jornal da Metrópole, antes de ser admitido como repórter do Massa!, onde está desde setembro de 2010. Por ter entrado na equipe um mês antes de o jornal ser lançado, acompanhou toda a trajetória do Massa!, e pôde percorrer do esporte ao entretenimento até consolidar-se na editoria de Polícia. Hoje, João está satisfeito com seu trabalho e se declara apaixonado pelo projeto do jornal. A única questão que o incomoda é não poder mais ir a rua com tanta frequência em relação a quando era repórter. Por isso, sempre que pode, faz pauta e apura notícia. Para ele, o fundamental para qualquer jornalista é ter “alma de repórter”.

Qual a sua rotina produtiva, desde a hora que chega até a hora que sai da redação?

Pensem bem se vocês querem ser jornalistas, pois nós não paramos! Eu não tenho hora pra entrar nem pra sair. Mesmo que esteja em casa, estou pensando no jornal. Eu sou muito apaixonado pelo que eu faço. Eu chego por volta de 12h, 13h, mas ontem, por exemplo, saí meia noite daqui. A editoria de Polícia não é uma coisa fixa, não temos uma receita pronta. Todo dia é um novo aprendizado e as pautas vêm de onde a gente menos espera, mas também pelos meios tradicionais. Temos repórteres de manhã e de tarde. Apesar de o espaço do Massa! ser bem pequeno a exigência daqui é de apuração mesmo! O repórter sai daqui uma hora e só vai voltar às sete. A apuração é incessante, nunca se esgota. Com o tempo, o Massa! criou muitas fontes em delegacias, e isso não existia antes pois o jornal ainda era muito novo. Então a gente liga para as delegacias e para os contatos policiais. Olhamos sites de notícias. Existem muitos sites que são noticiários policiais. O A TARDE tem, Correio* tem, o Bocão tem. Olhamos sites, vemos televisão, ouvimos o rádio, tudo de uma vez só. As pautas podem vir de qualquer lugar. Os leitores podem também nos informar se presenciarem alguma coisa. As informações chegam de todos os lugares. Mas decidimos o que interessa para nós é: o Massa! é um jornal popular da terceira maior cidade de um país subdesenvolvido, um país de Terceiro Mundo, mas mesmo assim, o que é notícia aqui é notícia no The New York Times. O que interessa ao público são as histórias humanas, como em qualquer jornal do mundo. O leitor quer boas histórias, que tenham emoção e um lado humano.

Hoje o jornal ainda mantém o seu projeto original?

Acho que sim, ele está cumprindo o objetivo do que foi planejado.


E quais são esses objetivos?
O jornal foi lançado para atender as necessidades das classes mais populares, dos bairros populares. Divulgar o que a grande mídia não divulga. Todo dia temos notícias voltadas para esse tipo de público. É a famosa classe C que o pessoal não cansa de falar. São pessoas que têm histórias boas e ruins que não são lembradas de modo que eles não se sentem vistos em nenhum jornal. É um motivo de orgulho para eles serem reconhecidos em um jornal. Todos os dias temos pautas de esportes mostrando o futebol da população, mostramos também serviços e empregos, problemas de bairros populares, questões de segurança. Nem sempre noticiamos coisas negativas, há também reportagens positivas. O papel do Massa! é contar histórias humanas.


Seria então o famoso “dar voz ao povo”?
Essa expressão soa muito populista, mas seria isso sim. O Massa! dá a voz a qualquer pessoa que tenha alguma coisa que queira divulgar. Qualquer coisa que aconteça, principalmente nos bairros populares, nós divulgamos. É um jornal acessível. Temos espaços para denúncias, assim como podemos colocar uma notinha de divulgação de alguém que venda artesanato, por exemplo. Se você for ler, sempre tem espaço.

Então, o real peso desses discursos de “dar ao leitor o que ele quer” e “dar voz ao povo”, difundidos pelo Massa!, na hierarquização das notícias é...?
O povo gosta de se ver no jornal. Aqui na Bahia, nos bairros populares, as pessoas não liam jornais, pois não se viam neles e não tinham notícias do seu interesse. Um cara que mora em Periperi não vai querer comprar um jornal que não fala do bairro dele, que não tenha matérias do seu interesse, que não retrate a sua vida. Hoje, você passa no ponto de ônibus e está todo mundo lendo, virou hábito.

O uso das gírias é uma forma de inserir esse leitor no produto?
Sim. Isso é uma estratégia de aproximar o público a partir do seu modo de falar. As pessoas falam “ônibus” ou “busu”? Isso é assim do rico ao pobre. A gente não inventa nada. Tem várias outras expressões como essa, por exemplo: “Vou sair com minha esposa” ou “vou sair com minha mulher”? Se o povo fala “mulher”, por que colocar no jornal “esposa”? Também tem o “tá barril”. Tem gente que não gosta, mas isso é um risco diário que a gente corre. Só não dá para ser grosseiro, ofensivo. É preciso ter bom senso.

E as cores da editoria? Porque sempre o vermelho e o preto?
Muito antes do lançamento do Massa!, já existia todo o planejamento do jornal. Desde o marketing até a parte gráfica. O repórter só entrou depois, por isso eu digo que sou “pequeno” para poder falar de forma ampla sobre isso. Mas o que a gente ficou sabendo é que houve grupos de estudos com leitores para saber o que eles queriam ver no jornal, inclusive as cores preferidas para cada editoria. Tudo que é feito no Massa! é pensado. É um projeto planejado, tem consultoria.

Como você define a linha editorial do jornal?
(Pensa um pouco) Linha editorial?... Não me façam responder essa pergunta, não... (risos)

Você falou que os policiais também são fontes. Com é a relação entre vocês e a Polícia? Vocês têm acesso aos boletins de ocorrência? Há alguma recomendação?
Tem delegacias que o acesso é mais rápido. A gente chega e tem uma oportunidade maior de falar com o delegado ou o chefe de investigação, que é o policial que coordena a investigação logo abaixo do delegado. Tem alguns policiais que são mais acessíveis, por questão de afinidade mesmo, relação humana. Tem delegados que, por uma série de questões - não gostar da imprensa, ter se chateado com algum jornalista - já generalizam e não dão informações a ninguém. Nesses casos o trabalho é maior. A apuração é mais difícil e o B.O é o passo inicial. A partir dele, se sabe o que aconteceu e quem são os envolvidos para poder ouvi-los. Embora seja obrigação, isso nem sempre é feito no jornalismo policial. As pessoas só ficam com a versão da polícia. Boletim de ocorrência é um documento público. Todos podem ter acesso, apesar de alguns acharem que não.

Quais os critérios de noticiabilidade que vocês priorizam na construção das notícias?
Valorizamos as histórias humanas. Além disso, tem a questão da proximidade com o público. Priorizamos os fatos de Salvador e de algumas cidades do interior da Bahia. O Massa! também prioriza destacar as cidades que temos grande índice de leitores. Assim como o jornal do Rio de Janeiro prioriza os acontecimentos de lá. Mas sempre que podemos, noticiamos acontecimentos nacionais também. Alguns casos ultrapassam fronteiras. Na semana passada, noticiamos a história de um idoso que praticou sexo com uma égua. Pro Massa!, a notícia caiu como uma luva. Noticiamos também a morte de uma criança por uma garota que aprendia a dirigir, mesmo sem habilitação. São histórias humanas. Dizem que a gente explora o sofrimento alheio. Mas não foi a gente que matou, o fato aconteceu. O que sai no jornal é só 1% da violência de Salvador, tudo é um retrato do que acontece. Se você juntar o Correio, Massa! e o A Tarde, Bocão, Na Mira, ainda assim não conseguimos cobrir 5% das misérias que acontece na cidade. É um retrato do que acontece.

Percebemos que vocês valorizam bastante o insólito e as curiosidades.
Quanto mais diferente, melhor. Todo dia tem traficante preso. Mas quando surge uma história dessa, como um idoso que faz sexo com uma égua, todo mundo se interessa em ler, gente de todas as classes sociais. O negócio é o tratamento que a gente dá para as histórias. Tem o lado engraçado da história, mas trouxemos informações também. Ouvimos a opinião da população na rua, um veterinário e um urologista, que explicaram o que é zoofilia e os riscos à saúde. Além do lado pitoresco, vimos ali uma oportunidade de dar informações sobre saúde pública.

Mas por que os outros jornais - Correio*, A TARDE, Tribuna - não noticiaram o acontecimento do idoso e a égua, que chegou a sair na capa do Massa?
Na certa os outros não souberam do acontecimento. Aí é uma pergunta para os outros jornais. Não dá pra saber o lado dos outros. Sei que no Massa! a história foi noticiada pois é curiosa, é humana, desperta a atenção do leitor.





Então é o interesse do público que prevalece aqui?
Conta tudo! Conta o interesse público e o interesse do público. Em nenhum jornal conta apenas o interesse público. Apenas a BBC de Londres que é financiada e pública, então eles podem ir por onde eles querem, sem levar em consideração o lado comercial. Como os jornais são empresas privadas que visam o lucro, há o interesse público e o interesse do público. Na matéria do idoso do jegue, por exemplo, o interesse público está nas informações sobre a saúde pública. O interesse do público será o lado pitoresco do acontecimento. E isso acontece em todos os jornais. Vamos tirar como exemplo Nicole Bahls. Não há interesse público nenhum nas matérias sobre ela, mas todos os veículos de comunicação continuam falando sobre ela. É questão de audiência. Dizem que o Massa! é mais voltado pro ‘povão’ e o A TARDE tem um público mais esclarecido. Mas se você for ver as notícias mais lidas do A TARDE, muitas delas serão sobre o Big Brother. Na Folha de SP também sempre há algo sobre BBB, A Fazenda ou entretenimento entre as mais lidas. No G1, entre as 5 mais lidas outro dia, 2 eram sobre Ângela Bismarck e a sua saída em A Fazenda.

Então vocês valorizam o entretenimento (matérias sobre Nicole Bahls e A Fazenda, por exemplo)?
Não é que a gente valorize, mas a gente não deixa de noticiar.

Sair sempre na capa (100% das contracapas do Massa! no período analisado foram dedicadas ao programa A Fazenda) é valorizar.
Realmente tem que levar em consideração a questão da audiência. Não vamos noticiar tudo que dá audiência, mas algumas coisas sim.  As principais editorias do Massa! são Polícia, Esporte e Entretenimento e todas produzem material que pode ir para a capa.

Você poderia dar algum exemplo de uma notícia que daria audiência, mas vocês não publicariam?
Aí você me pegou (risos).

Colocar sempre uma mulher seminua na capa tem alguma relevância? Observando o jornal, percebemos que no interior não há praticamente nenhuma reportagem sobre ela, há somente uma pequena nota. Como isso se justifica?
As mulheres estão na capa por que chama mais a atenção. As pessoas veem a capa e compram. Jornal popular é assim. Mulher vende. Tem estratégias para as pessoas lerem. Se você não coloca esses assuntos, ninguém vai ler.

Há algum assunto tabu que não pode ser noticiado?
Não, nenhum jornal tem assunto tabu. Todos os temas podem ser noticiados, o negócio é a forma de tratar os acontecimentos. Voltando ao caso do idoso e do jegue, nós poderíamos ter feito um sensacionalismo horrível em cima do acontecimento, poderíamos ter sido grotescos. Mas aí entra em questão o respeito ao público e a forma de tratar um tema. A informação vem em primeiro lugar.

Percebemos que no Massa! os assuntos que você mesmo disse ser de interesse público convergem bastante para os serviços e deixa de tratar temas como política e educação. O jornalismo do Massa! tem convergido para um jornalismo de serviços?
Também temos notícias sobre educação, economia popular, concursos.

Tudo é voltado diretamente para a vida do leitor, então?
Se você for ver o jornal O Globo também é assim. Um tema como a bolsa de valores, que tem de ser estudada durante muitos anos, é um tema complicado, temos que tornar isso mais acessível ao público. O Massa! não tem um público que tem formação escolar completa, eles ainda buscam cada vez mais educação. Qualquer dinheiro que ganhe, esse público se interessa em investir em educação. Logo, se formos tratar da bolsa de valores, não sei se eles se interessariam. Vamos tratar isso de forma que eles entendam. Nossa estratégia é de formação de leitor mesmo. A ideia é fazer com que a partir daqui eles se interessem em ler sobre outros assuntos. E como é que você vai fazer esse povo ler jornal? Falando da vida deles, falando da realidade deles.

É possível dizer que o Massa! é produzido para um público específico? Qual é esse o público? O Correio* diz que os seus leitores são muito variados e estão da classe A à D.
Todo veículo de comunicação tem seu público específico. Essa seria uma pergunta para quem planejou o jornal. Eles informariam com precisão quem é o público do Massa!. Eu posso falar o que eu acho. É uma opinião que não sei se é uma opinião do jornal. O público do Massa! está claro, esse é um jornal voltado às classes populares, não vamos dizer que esse jornal é voltado para a Bahia inteira, entre todas as classes. Mas, claro, isso não impede que todos leiam, até gente da elite. Médicos fazem questão de dar entrevista ao Massa!, pois sabem que aquilo vai interessar e ser útil ao público que necessita de informação. O Massa! é voltado para a classe C, mas não impede que a classe A também leia.

Qual a justificativa para todas as capas do Massa! conterem temas que variam entre violência e entretenimento, além da foto de alguma mulher seminua?
Essa seria uma boa pergunta para o editor chefe. As principais editorias do Massa são Esporte, Entretenimento e Polícia, pelo fato de esse ser um jornal popular. Tem gente que critica o jornal, mas sei que não passam da capa. Tem muita violência, mas todo dia tem matéria sobre serviço, também. A discussão sobre o Massa! é uma discussão sobre o jornalismo inteiro, essa mistura entre jornalismo e entretenimento.

E qual seria a relação entre o jornal ser popular e as editorias carro-chefe serem Entretenimento, Futebol e Polícia?
O jornal tem que ter uma manchete quente para ir para as bancas e vender. Mas é melhor vocês perguntarem ao editor chefe do jornal. Ele poderá dizer que isso é uma estratégia de venda do jornal, pelo pouco que eu posso falar. Falo de forma bem rasteira. No Rio de Janeiro, há jornais que têm cinco capas, uma para cada região.
Qual a sua avaliação sobre o mercado jornalístico de Salvador?
Todo mundo critica o jornalismo, mas toda profissão é difícil. Hoje em dia, só engenheiro está saindo da faculdade e arranjando emprego. A dificuldade do jornalismo é a falta de emprego formal, com carteira assinada. Às vezes, paga muito pouco quando é com carteira. Tem muito trabalho, muita coisa para fazer - assessoria, por exemplo -, mas pouco emprego. O mundo todo está em crise, por isso é preciso aproveitar as oportunidades. Tem que se dedicar, ler bastante, fazer cursos... Mercado tem, mas não é fácil.

O que você pode dizer sobre o Jornalismo que está sendo praticado atualmente?
Outro dia uns estudantes da Jorge Amado me convocaram pra dar uma entrevista. A aluna me disse ‘vou mandar as perguntas por e-mail’. Eu respondi dizendo que se deve evitar a entrevista por e-mail. Eu atendo sem problemas, eu estou disponível. Tem fontes que você realmente não tem possibilidade de falar fisicamente. Mas o ideal é ter o contato físico. O jornalismo de hoje tá ficando cada vez na redação e as entrevistas estão sendo feitas por telefone. Se vocês encontrarem uma matéria ou reportagem mal feita pode ter certeza que foi um problema de má apuração. Ficando na redação você não consegue nada, principalmente na editoria de polícia.

Como você vê o papel do jornalista?
Eu acho o jornalismo uma das profissões mais lindas. Eu sou apaixonado. O jornalismo tem uma função social muito importante. Hoje em dia as pessoas estão querendo cada vez mais informação em menos tempo. Se não tem o jornalista que leve essa informação, as pessoas não têm como saber o que se passa no mundo, na sua cidade ou no seu bairro. Cada vez mais o jornalista tem essa responsabilidade. O público confia nele. O jornalismo também se vale de um caráter de denúncia. Às vezes um filho está há meses querendo internar a mãe no hospital e não tem vaga. Quando ele recorre aos meios de comunicação para denunciar, tem a possibilidade de ser atendido no dia seguinte. Isso é um exemplo mínimo da força que a gente tem. O jornalista tem que ler bastante para ser um bom profissional e ele precisa achar que sabe menos e não ser tão preconceito. Não pode chegar com a opinião formada sobre as coisas. Nossa função é perguntar, ouvir mais as pessoas. Você pode se fechar tanto na sua bolha, tanto naquilo que você acredita que você não dá vez ao outro de te enriquecer. Essa é uma das maravilhas do jornalismo. O trabalho de repórter é muito rico nesse sentido, você entra em contato com os mais diversos tipos de pessoas e histórias.

“Na minha opinião, a política editorial de antes não existe mais” | Lorena Caliman

Alexandre Galvão, Carol Lemos, Lucas Gama


Foto: Arquivo pessoal



Lorena Caliman, ex faconiana e atual repórter da editoria de cidade do Correio*, em entrevista, fala sobre as estratégias de marketing do jornal, interesse público, interesse do público, a dinâmica na redação de um grande jornal e comenta sobre a tentativa de mudar a visão da audiência sobre a linha editorial do produto jornalístico. 


Na visão de vocês, o Correio concorre diretamente com qual outro jornal? 
Na minha visão, no momento, a concorrência direta é o “A Tarde” e o “Tribuna” também.


Podemos notar que, após a reestruturação do jornal, vocês tem seguido uma linha mais popular. Você concorda? 
Concordo. O jornal está mais popular do que popularesco, digamos assim. É bem informativo e o interesse é contar histórias, no caso. É um popular completamente diferente do Massa!.


Vocês têm um público alvo específico? 
No meu entendimento, o jornal tenta alcançar o máximo de pessoas de todas as classes. Tanto a pessoa de classe mais alta quanto a pessoa de classe mais baixa.


Há como chamar a atenção da classe “C” e “D” sem ser sensacionalista? De que forma o Correio* faz isso?
Sim, com certeza. Inclusive, esse é o propósito das matérias na editoria que eu trabalho, porque o interesse maior é prestar serviço de certa forma à população. Informar puxando pra uma coisa que seja interessante para as pessoas, que chame a sua atenção, mas sem ser sensacionalista. A gente evita isso.


A venda de cds junto com o jornal é uma clara jogada de marketing bem sucedida. O aumento da tiragem do jornal é um exemplo disso. Qual influencia disso dentro da redação do jornal?
Foram três edições, né? Dentro da redação o que muda? No dia anterior, o fechamento é mais cedo até porque o aumento da tiragem influencia no horário, a gente reestrutura os horários de cada um, todo mundo chega mais cedo. No dia seguinte, as três vezes que isso aconteceu, nós tivemos uma matéria tratando sobre a venda, pra repercutir sobre a venda do produto.


Essa medida seria uma tentativa de agregar mais público ao jornal?
Eu, Lorena, vejo isso. Mas de certa forma é um jeito de fidelizar o cliente. Um colega meu foi entrevistar o pessoal na rua na hora da venda e ele perguntou para um vendedor de jornal o que ele achava da venda de cds. Ele respondeu que era muito interessante, pois muita gente ia comprar o jornal nesse dia, pessoas que não são clientes do cotidiano, com interesse no cd, mas depois ela vai acabar lendo o jornal, é um momento de fidelização.


Interesse público ou interesse do público? Dentro do Correio, o que importa mais? E pra você enquanto jornalista, o que é mais relevante? 
Para o Correio*, até onde eu sei, o interesse público, importa mais, mas, também, puxando pelo interesse do público. Enquanto jornalista, o mais relevante é o interesse público mesmo. Sempre buscar os vários lados da notícia, sempre questionar. Se o governo, por exemplo, divulga uma informação, nós não vamos simplesmente dizer que ele divulgou; nós vamos, também, ver qual a opinião de pessoas envolvidas sobre isso. 


Antes da reformulação do Correio*, havia uma política editorial muito clara. Ainda hoje existe essa linha bem definida? 
Na minha opinião, a política editorial de antes não existe mais. A editoria de cidade é muito independente dessa coisa política, sabe? Eu não acompanho bem a produçãodas notícias de política, mas essa política editorial carlista não existe. Há uma tentativa muito grande de se desvincular disso, na verdade.


Às vezes na capa do Correio* tem uma manchete grande e quando abrimos o jornal no 24h o texto está reduzido. Por que isso acontece? 
Não é sempre, né? Muitas manchetes também são do Mais. Quando você abre o Mais, se a matéria está ali em destaque é por um motivo. Por exemplo, a história do assassinato do francês em Stella Maris foi pro 24h, pois não se tinha ainda muita informação, mas estava na capa porque chamava muito a atenção. Então, mesmo ela sendo uma nota de 24h, pelo fato de ter chamado tanto a atenção, ela foi uma manchete.


Como funciona a seleção de pautas no Correio dentro da editoria de Cidade?  
Tem aquelas coisas básicas sobre o que está acontecendo no dia e tem também as pautas que a gente faz semanalmente, uma programação de coisas que podem ser pauta. Isso para trazer uma manchete diferente sobre qualquer assunto, não tem uma pauta específica. Essa semana mesmo a gente falou sobre os assaltos a ônibus no São João. Acho que varia muito.


As notícias sobre Salvador estão sempre nas páginas do Mais e do 24h. Como é a decisão do que vai ficar no Mais e o que vai pro 24h? Qual o critério utilizado? 
O 24h é aquela coisa mais rápida. Ele abre com uma notícia local, depois tem Brasil, Variedades, etc. A página 3, abertura do 24h, em geral é sobre cidade, mas pode ser sobre qualquer coisa. O Mais, geralmente, é uma coisa que possa crescer. Uma passeata de professores, se for se limitar somente à passeata e não tiver nada mais, for mais factual, vai pro 24h. Agora, se for uma passeata que repercuta a união dos professores estaduais com os professores da Ufba, já é uma coisa maior. Se falar das reivindicações ou de novidades nas reivindicações, alguma novidade na proposta do governo, isso já é algo maior em que se possa explorar outros assuntos e que ganhe uma dimensão maior, aí vai pro Mais. 


Há alguma previsão de criação de uma caderno de política? 
Que eu saiba, não. Mas talvez agora com as eleições.


O Correio costuma dizer que estrutura suas notícias com base no new jouralism. Até que ponto isso influencia na hierarquização do texto? Como os critérios de noticiabilidade de cada notícia dialogam com esse tipo de texto? 
O propósito é contar história então o critério é sempre o diferente, o inesperado. Também tem essa coisa da escolha de um personagem para contextualizar e não deixar o texto ficar impessoal. A ideia é sempre trazer a história de alguém e onde o que aconteceu se encaixa e mexe com a vida da pessoa. Não é aquela coisa deslocada, não é um relatório do A Tarde, quanto a forma; você vê bem a diferença no esquema do texto.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

'' Jornalismo inteligente é aquele que atinge todas as classes'' | Priscila Melo

Carlos Eduardo Brandão, Estela Marques e Renata Pizane



Priscila Melo, 28 anos, é formada em jornalismo pela FTC e atua há sete anos no Jornal Tribuna da Bahia. Começou como estagiária, já foi repórter e atualmente ocupa o cargo de editora do Caderno Cidades, tendo passagens por veículos como TVE , Band-Ba, Rede Record e ainda assessorou o governo de Paulo Souto por dois anos e meio. Em entrevista, ela contou um pouco do seu trabalho no jornal,  rotina produtiva, linha editorial e comentou sobre o mercado jornalístico em Salvador.

Como é sua rotina?
Eu quando chego, a primeira coisa que faço é sentar, pegar todas as pautas do dia, inclusive as pautas que foram passadas por mim no dia anterior, e ver o que está acontecendo. Depois eu vou ler matéria por matéria, corrigir problemas em matérias - o que é normal, acontece com todas -, chamo e falo “sua matéria deveria começar assim, assado”. Faço o papel de chefia de reportagem, por exemplo, ligar pra uma equipe que está cobrindo um factual, derrubar a pauta, mandar ir pra outro local. Pego o mapa, vejo quantas pautas vou ter, quantas páginas vou ter, o que vai entrar aonde. E depois tem o fechamento, que a gente vai sentar e lidar com tudo isso: dar o título, dar o subtítulo, escolher foto, por a legenda... Tudo isso é trabalho do editor. O texto também, quando necessário, dou uma mexida.

Qual seria a linha editorial da Tribuna?
A linha editorial da Tribuna, acho que é hoje a linha editorial do Correio e do A Tarde: ir atrás da notícia. Acho que a notícia passou, passa por transformações e isso vocês estudam na faculdade. Por exemplo, eu não sei se vocês se lembram, se já estavam na faculdade na época de Ricardo Noblat. Então, ele trouxe uma coisa maravilhosa que tinha em poucas matérias, que é humanizar a matéria. Como humanizar a matéria? Trazendo personagens como foco principal da matéria. Então assim, existe essas mudanças, porque antigamente não tinha muito isso. Claro, existia humanização da matéria, sim, mas muito nariz de cera. O que a notícia tem que fazer hoje? Se aprofundar mais na sua vida. Você quer saber o que acontece na cidade, mas você não quer SÓ saber o que acontece na cidade. Você quer saber o que afeta sua vida. Por isso que se você perceber, vou falar da Tribuna, já tem algum tempo que a Tribuna se readaptou pra dar sempre matéria de saúde, de comportamento, de tecnologia porque mexem com sua vida. Você tem que buscar um diferencial e um diferencial é uma matéria de comportamento. (...) A notícia muda, ela se readapta pra vida da gente. Existe uma mudança de comportamento e todo mundo precisa se readaptar, principalmente o jornalismo, que é o que passa a informação. 

E seu concorrente direto?
Hoje? Todos os jornais são concorrentes. Se você for falar de lugar, o Correio em primeiro, o A Tarde em segundo e o Tribuna.

Qual é o público-alvo do Tribuna?
Público-alvo da Tribuna? O público-alvo da Tribuna é todos os públicos. Porque assim, se você pegar os leitores mais antigos da Tribuna, é um público do tipo A, ao mesmo tempo que é um público B, C, D. Tem uma coisa da linguagem, a linguagem é acessível pra todo mundo. Se você fala uma língua pra um só, você ta querendo atingir um público só. Não pode fazer isso.

Numa pesquisa recente, foi descoberto que o jornal é lido pelo público, em sua maioria, das classes A e B, não das C e D como estimado. Isso surpreendeu?
Por que pelo público A e B? Política. A Tribuna é muito lida por políticos, pelas secretarias. Muito, muito mesmo. Até surpreendeu um pouco a gente, porque se você pegar a linguagem da Tribuna, é uma coisa popular. Na verdade, o jornalismo inteligente é aquele que atinge a todas as classes.

Vocês mudaram a linha editorial, a seleção de notícias, impactou de alguma forma?
Isso não impactou diretamente, mas se há uma readaptação, há. As pessoas estão cansadas de ver matérias de violência, violência, violência... É tanta violência que você pega o jornal e dá de cara com violência e “ah, tenha dó!”.

Como você afirma que as pessoas estão cansadas de ver “violência, violência, violência” quando jornais populares que mostram muita “violência, violência, violência” vendem muito?
Olha, eu não vou falar pela empresa Tribuna da Bahia, mas particularmente. Eu vou para questão cultural e social. Isso é outra coisa, entendeu? A gente está num estado que estamos acostumados a ver música, informação, tudo assim: a gente dá o que o público gosta. O público gosta de ser educado, de ter educação. Então, infelizmente, nossos governantes não dão educação, entendeu? E o que há de pior de revista de fofoca, o que há de pior de jornalismo, o que há de pior de televisão, de jornal popularesco - não é popular, é popularesco, de forma pejorativa mesmo... Porque quando se fala popular, não significa que você está vendendo coisas ruins, porcarias, explorando o sentimento alheio. E quando a gente fala de popularesco, a gente fala de tudo isso que falei. É preciso ter inteligência pra acompanhar a mudança de comportamento da sociedade. Você quer ler o que afeta sua vida, saúde, o dia-a-dia, denúncias, ou você quer ler tipo “fulaninho que matava fulaninho”? Mas factual da cidade, que não explora o sofrimento do outro, pode ir pra capa. Vai, como o caso da menina que o carro morreu, acabou descendo a ladeira e atingido algumas pessoas na fila da clínica.


Por que o jornal tem duas editoras de Cidade?
Todo jornal tem funções separadas: chefia de reportagem, redator e editor. Na Tribuna, é 3 em 1. Por isso que a gente tem duas pessoas na chefia da editoria de Cidade. Aqui não tem redator e chefe de reportagem à tarde; eu e Carol (Carolina Parada …, também editora de Cidades) temos essa função. Aí, nos outros jornais tem a editoria de segurança, tem o editor de segurança, e aqui não tem editor de segurança. A gente que fecha segurança. Então, são muitas páginas, muitas tarefas pra duas, por isso que a gente divide isso. Eu assumo mais essa função de chefe de reportagem, por conta do horário, e ela fecha segurança.


A gente percebeu que o jornal tem o Caderno de Cidades e tem na primeira parte do jornal uma editoria de Cidade, na página 7. Como funciona?
A página 7, como por exemplo na matéria de hoje (26/06), não é de Cidades. É que mudou a bandeira, a bandeira era segurança.

Então o Cidades da página 7 é segurança...
É, é segurança. Agora, tem um detalhe: você ta falando da página 7 você ta fazendo um estudo do jornal de hoje. Geralmente, segurança vai pra página 14, 15, então vai depender do mapa; o mapa depende dos anúncios, dos cadernos do dia, da quantidade da página, e segurança não é página 7. Na realidade, ela é uma página preta e branca e a gente não pode colocar preto e branco nem na 8 nem na 9, que são páginas coloridas. A gente não vai botar bagaço de corpos numa página colorida. No caso das seguintes, é questão de diagramação.

Mas não é segurança, exatamente. Sobre o caso do estupro das gêmeas, próximo a Salvador, no dia 8 de junho, uma das gêmeas foi estuprada pelo pai, morreu e a matéria do enterro saiu com destaque na página 7, com a editoria de Cidade.
Não é que tenha saído na editoria de Cidade, mas veio com a bandeira de Cidade.

É isso, por isso que nos confundiu...
Se você olhar, eu não sei o A Tarde, mas o Correio não tem bandeira de segurança. É 24h. Cidade é 24h, está tudo junto. Tudo misturado, no mesmo pacote. É uma página com as notícias de polícia..

Qual critério justifica a localização de Política nas primeiras páginas?
Todos os jornais colocam política nas primeiras páginas. É política dos jornais, enfim. A Tribuna hoje, se você perceber, em questão de discussão de matéria e notícia de política, é mais forte que o Correio e o A Tarde. Então, não é porque tem que começar com política. O Tribuna sempre começou com política. Inclusive, quando você abre o jornal, a primeira página tem uma coluna forte, a Raio Laser. Coluna política tem sua força. É forte, é comentada no cenário político, ela está num local, digamos assim, de privilégio. Ela está num local privilegiado do jornal porque ela tem um contrato de leitor. Por ser uma parte do jornal mais... mais assim... “elitizada”, “intelectualizada”... é um público destinado, é a leitura que é forte. 

Como fica a relação do portal do Tribuna com o impresso? 
A redação é uma só. Quando acontece um factual, um está ligado ao outro. Por exemplo, hoje teve um caso de um criança que estava em casa e sem querer derrubou a vela, que incendiou a casa. Pra internet, tem lá o factual “sem querer uma criança blá blá”. Amanhã, a gente vai ter uma matéria mais produzida, falando dos riscos de acidentes domésticos com criança de férias em casa. De modo geral, o factual vai pro portal, no dia do acontecimento, e uma matérias mais produzida sai no impresso do dia seguinte.

O fato de o jornal não circular aos domingos interfere na rotina produtiva?
(risos) Desde que eu entrei, o Tribuna circula o final de semana. Acho que é por uma questão de anúncio; tem poucos anúncios no domingo e aí não justifica o gasto pra rodar, entendeu? Mas a redação trabalha sábado, normalmente.

Como foi, por exemplo, a cobertura sobre a greve dos professores estaduais?
Os jornais pararam um pouco de dar. Já são 75, 76 dias... O público vai ler? Seja sincera. Os professores entraram em greve. Os professores dizem que continuam em greve. Amanhã, numa nova assembleia, os professores decidem continuar a greve. Amanhã, eles dizem que o impasse continua. Você ta lendo essa matéria? Você vai ler essa matéria? Eu acabei de derrubar essa matéria - pronta, duas laudas. Teve a assembleia hoje e decidiram continuar a greve. Tem alguma novidade pro leitor? Nenhuma.



“O Massa é a voz que o povo não tinha” | Márcia Gomes

Rebeca Menezes, Diego Yu e Aymée Brito


Márcia Gomes é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso do Rio de Janeiro, onde nasceu. Com residência em Salvador há 19 anos, há sete está no Grupo A Tarde. Lá, começou como revisora do Jornal principal e mais tarde passou a ser repórter de informática. Voltou ao grupo em 2005, sete anos depois, como repórter e em outubro de 2007 passou a ser editora internacional do Jornal A Tarde. No segundo semestre de 2010, ela foi transferida para a editoria de cidades.
O Jornal Massa! surgiu em Maio de 2011 e, com a proposta desse novo modelo de comunicação dentro da empresa, Márcia migrou para a editoria de polícia no Massa!. Atualmente, ela é editora de Economia Popular e Cidades neste jornal, que tem tiragem de 26 mil exemplares ao dia.


Como é a sua rotina de trabalho no Massa?
Bom, de segunda a sexta eu trabalho das 14h até em média 22h, 22h30. Não trabalho nos sábados, e nos domingos,trabalho uma semana sim, uma semana não. Quando a gente chega, vê o que tem no noticiário, o que tem no noticiário de A TARDE que pode ser aproveitado para o perfil do Massa, dá uma olhada nos sites, dá uma checada pra ver se foi o que foi deixado de pauta no dia anterior está tudo cumprido, se tem prolongamento, o que caiu, o que não caiu, se os repórteres e estagiários já bateram as matérias na página, se está faltando alguma coisa - foto, alguma informação, alguma personagem que está sem sobrenome... Enfim. Suprir aquelas dúvidas. Logo em seguida, a gente vai pra uma reunião onde vamos discutir as pautas principais e cada um vai apresentar o “cardápio” da sua editoria. Eu, neste caso, levo o que eu tenho pra oferecer no dia sobre economia popular e sobre cidade. Feita esta reunião, a gente vai partir mais pra edição do dia das matérias fixas, que são as primeiras que vão pra máquina, as primeiras que a gente fecha. Eu, teoricamente, fecho quatro páginas por dia. Eventualmente posso fechar um pouco mais, ou um pouco menos, isso também depende de sair anúncio (publicitário), porque se sai, as páginas diminuem. Ontem, por exemplo, eu não fechei quatro, fechei três. Mas quando sai muito anúncio, aí o jornal tem que aumentar, porque existem conteúdos que não podem deixar de sair, então em vez de sair com 24 páginas, o jornal sai com 32. E isso às vezes implica no aumento da rotina de trabalho da gente, carnaval, por exemplo, saía muito anúncio e assim mexia muito com a estrutura do jornal, era uma loucura. Mas no geral acontece dessa forma. Daí a gente vai acompanhando os repórteres na rua, o que eles vão fazendo. Matérias que são pra um dia, às vezes se transformam em matérias maiores; as matérias que vão ser editadas no final de semana pra sair na segunda não dão pra saber, então tem que ter matéria de gaveta.  Nessa cidade não acontece muita coisa, então a gente tem que se precaver já que o número de páginas continua igual. 

Então tem que preencher um número exato de páginas?
Tem que preencher. E sem que haja perda de qualidade, se cria o cuidado. Vocês que passaram muito tempo analisando as editorias, vocês podem observar que a gente traz bastante coisa dos outros noticiários, mas a gente tem bastante coisa exclusiva, como nós, como os personagens. O massa fala de uma forma popular, ele é um veículo em que o leitor dele tem que se espelhar, se identificar, se reconhecer nos textos. Tanto nos dramas, quanto nas comédias. O jornal, apesar do “carro-chefe” ser segurança, polícia, é um jornal que tem matérias engraçadas, matérias assim meio fantásticas. Apesar de agora ter se modificado um pouco.



O que acontece quando não tem nada pra preencher as páginas?
É isso, a gente trabalha preparado. Tem sempre material atemporal guardado. Porque, por exemplo, hoje haverá uma manifestação de estudantes no Campo Grande. Aí a repórter vai, e não tem. Precisa de algo que substitua em caráter de urgência. O espaço está lá e a gente precisa utilizá-lo. Por isso sempre tem matéria pra cobrir: matéria pronta, matéria encaminhada, tem matéria de A TARDE que a gente pode utilizar, entendeu?  Sempre tem alguma coisa, a gente sempre trabalha com material que possa substituir e preencher aquele espaço. Nunca ficamos descobertos. Não existe isso, até porque tudo é muito rápido, tem hora pra entregar, tem linha de crescimento. Não pode correr o risco de depender apenas daquilo.

Quando você diz matéria de A TARDE, seria o que exatamente?
Tudo. Por exemplo, eu aqui eu sou de cidades e economia. Aí eu vou buscar saber o que essas editorias do A TARDE estão preparando pra hoje. Quais as principais matérias de economia que ele está preparando pra ser divulgada no outro dia. Se for alguma coisa que se encaixe com meu público, eu vou esperar a publicação dele e usar de alguma forma, nem que seja pra transformar em gaveta – seu eu puder guardar e elas não perderem a validade, fazemos muito isso. Exemplo: “O Governo congelou o IPI dos produtos de linha branca”, isso interessa pro nosso público: geladeira, fogão, etc. Isso ta na sessão de economia de amanhã, no A TARDE. Eu vou lá, pego e utilizo o material, dando créditos de fotos e reportagem. Não existe só fazer matéria para o A TARDE, ou para o Massa, a empresa é única e a produção de conteúdo é em conjunto, porém com duas linhas editoriais diferentes, e a gente faz a adaptação do texto ao público leitor, aos distintos públicos-alvo. Tem termos, palavras, que a gente utiliza em A TARDE que não pode utilizar em Massa e vice-versa. Eu não posso usar um vocabulário rebuscado para o público do Massa, porque muita gente não vai conseguir compreender. Precisamos utilizar uma linguagem popular, uma linguagem simples, objetiva, muitas vezes usamos gírias. Isso atrai a atenção do público, é o universo da língua que ele fala.

Então num geral, existem os repórteres de Massa e A TARDE, mas eles transitam de acordo com a necessidade dos jornais?
Não existe essa fronteira.  Um exemplo são os releases que as vezes a gente recebe de assessorias de imprensa iguais no A TARDE, no Massa. A gente ta sempre “batendo uma bola” sobre aquilo que cada um recebe, pra saber o que chegou lá, o que veio pra cá, o que precisa ser enviado. Porque não faz sentido a empresa mandar dois repórteres para cobrir o mesmo evento. Vai apenas um, e esse repórter é orientado, e ele vai saber que pro A TARDE ele precisa ter uma ‘pegada’ e pro Massa, ele precisa ter outra. Muitas vezes ele escreve pro Massa e depois parte pro A TARDE, ou pode acontecer o contrário. A nossa equipe ainda ta em um período de adaptação, porque isso é muito novo no jornalismo baiano, mas até que eles estão bem afiadinhos.

Você falou que os jornais do grupo têm linhas editoriais diferentes. Qual seria a linha editorias no jornal Massa?
Popular. É um jornal popular.

E o que é um jornal popular?
Um jornal popular é um veículo de comunicação pros chamados populares, para as classes C e D. Alguns dizem E, mas eu acho que considerar a E é meio “barra pesada”, é demais. É pra empregada doméstica, pro gari, pro porteiro, enfim. Pra galera que mora nos bairros populares, galera que mora em Cajazeiras, em Castelo Branco, na periferia da cidade. Algumas pessoas falam que não gostam do Massa, por conta de sua linguagem e abordagem mas elas não entendem que o Massa tem um público alvo, e que provavelmente se você entende que o jornal foi feito para agradar o público, se utilizando de linguagem popular, você não está inserido neste público a ser atingido. Eu até entendo que pessoas de outras áreas não compreendam o que é um produto de comunicação, mas um estudante de Jornalismo tem a obrigação de saber que um produto de comunicação pra ser lançado no mercado, ele não é lançado gratuitamente. Ele passou por um período de encubação, pesquisa, de saber o que o público desejava. O Massa não é feito por nós, porque a gente acha bonitinho, ele é feito porque o Grupo descobriu que o público quer aquilo!  Qualquer jornal popular, vocês podem olhar os do Rio, São Paulo, Minas, tem a mesma fórmula, são todos iguais. O colorido é igual, mulher bonita e semi-nua nas capas. No maior da América do Sul, há mulheres completamente nuas. O Massa nunca publicou uma foto de um cadáver e nem gota de sangue, e isso eu te afirmo porque eu fui editora de polícia durante um bom tempo.


Por quê?
Porque foge do comercial, porque não há necessidade de fazer um apelo tão forte. É preciso de cuidados para não cair no mal gosto, é preciso manter um equilíbrio, e o Massa tem isso.

Qual você acha que é a importância das mulheres seminuas na capa? Porque é uma coisa que muitas pessoas criticam, acham inclusive sexista, machista.
Isso é parecido com aquilo que eu já falei com você: a gente dá pro público aquilo que as pesquisas nos mostraram como necessidade do consumidor. Quando o Massa foi lançado, eu não conhecia o jornal popular, eu nunca tinha trabalhado com jornal popular – eu trabalho aqui há sete anos. Me ofereci pra vir, pra conhecer essa outra ‘pegada’ do jornalismo. E ai eu perguntei se haveria uma mulher semi-nua na capa sempre e eles me responderam que o Massa é resultado de pesquisa, e segue rigorosamente os conceitos por ela descobertos.

Dentro da linha editorial do Massa, qual seria a notícia que você consideraria como ideal para o jornal?
Hoje os valores das famílias são deteriorados, os lares estão desajustados, os jovens estão muito perdidos... E isso não é papo moralista não, que eu não sou careta, nem nada. As coisas que a gente observa, até por conta da profissão mesmo, a gente vê que o grande problema - lógico que a violência é uma coisa absurda hoje em dia, mas o que falta pro ser humano ser feliz, pra não entrar no tráfico, é que você tem que dar o que está faltando: você tem que dar estudo, você tem que dar emprego, você tem que dar moradia, você tem que dar saúde. Esse povo não tem isso. O povo não tem isso. Vocês já foram em um posto do SUS? Vocês tem plano de saúde? Você não tem noção do que é um posto do SUS em um bairro da periferia. É de chorar. Tem coisas que você só entende quando trabalha em Polícia e Cidade, que você vê uma realidade. Você mora aonde? Vocês já foram em Tubarões? Pois é, é isso. O jornalismo diário, o hardnews como a gente chama, Cidade, Polícia, Política, joga o repórter na rua de uma maneira, assim, tão "tapa na cara", você começa a ver o mundo de uma maneira tão mega, que várias fichas vão caindo na sua cabeça. Por isso que eu tô dizendo a vocês, não percam a oportunidade de botar a mão na massa do hardnews. Porque tem gente aqui, por exemplo, que às vezes tem a oportunidade de entrar em editorias mais leves, às vezes Cultura, Esportes, e não passa, nem trisca, no hardnews. Eu acho que  assim passa pelo largo, não foi "mordido pela mosca". E eu acho que o jornalista tem que ser mordido pela mosca. Você cria sangue no olho. Não é que você endureça, mas você cria uma pegada diferente. Caem as ilusões. Quando eu comecei a estudar jornalismo, meu Deus do céu, eu tinha tantas ilusões. Eu achava que... Eu não entendia que uma empresa de jornalismo é uma empresa, que tem um faturamento, tem anuncio. Até bem pouco tempo eu ficava irritada quando entrava anúncio na minha página e eu tinha que redesenhar e refazer tudo. Mas não tem outra, gente. Não tem como você brigar. Se o prédio tá em pé é porque tem anúncio. Se não tem anúncio, não tem jornalismo. São coisas com que você vai aprendendo a lidar com o dia-a-dia, né, que nem sempre são muito agradáveis. Mas que são importantes. E não espere entrar na profissão pra conhecer esses lugares não, dar uma volta na cidade. Vão a Cajazeiras, a Suçuarana, a Novo Horizonte, a Tubarão, a Ilha Amarela, a Periperi, Paripe, Águas Claras. Conhecer a cidade. Tem gente que... Outro dia tava passando na televisão uma criatura que não podia sair de casa de carro porque tinha um buraco tão grande na porta da casa dela que se saísse o carro ficava no buraco. São coisas que a gente nem imagina, né, que a gente mora em bairros privilegiados, mas tem coisas absurdas aí, nessa cidade de João Henrique, nosso prefeito amado (risos).

Você falou da questão que o jornal é uma empresa e tal. Até que ponto as necessidades empresariais interferem na produção da notícia?
Boa pergunta! Aqui, nesta empresa, graças a Deus, eu não tive problemas com relação a isso. Nas outras empresas eu não posso dizer que isso não aconteça.  Mas aqui a gente não tem esse problema. A gente faz jornalismo, graças a Deus. E, no dia em que isso não puder acontecer eu vou mudar de profissão, vou procurar outro lugar pra trabalhar, porque aí vira literatura, não é jornalismo. Vamos falar sobre Chapeuzinho Vermelho, sobre Cinderela... Se você não pode falar sobre o que ta acontecendo, você vai escrever literatura.  Aí eu fico em casa, vou virar ghostwriter, sei lá.

Você tem várias matérias em um dia. Como você define qual vai ser a capa, qual vai ter mais destaque, qual vai ter menos destaque?
A capa quem faz é a coordenadora do Massa, Ana Paula. Eu até fecho capa, assim, mas só nos domingos. Quando ela tá folgando eu fecho. A capa é um processo árduo, um parto. Porque a capa é a costura de toda aquela edição. Então você vai ter que ver o que tá mais forte naquele dia. Polícia? É uma fofoca? É um depoimento? É Cidade? É o que "tá bombando" no dia. Você tem que se colocar, o tempo inteiro, no lugar do leitor. A gente não pode nunca perder o tino do leitor. Você tem que estar o tempo inteiro se colocando no lugar: O que o público quer ler? O que vai chamar a atenção dele? E às vezes pra nós é muito difícil, porque nós não somos o público-alvo do Massa. Eu sou o público-alvo do A Tarde, mas eu não sou público-alvo do Massa. Então pra mim é um exercício diário, contínuo, de me colocar no lugar dessas pessoas. Isso não é uma coisa ruim, eu só tô querendo explicar pra vocês como é que funciona a coisa. Então, por exemplo: digamos que a gente tem uma edição mais morna de Polícia e teve uma fofoca bombando de Entretenimento, como essa semana que teve aquela da Nicole Bahls com aquele jogador. Então é isso. O povo gosta de fofoca. Todo mundo gosta de fofoca. Até o público do A Tarde gosta de fofoca. Não dá pra colocar fofoca na capa do A Tarde, né. Mas todo mundo gosta de fofoca, da vida alheia. Isso funciona muito no Massa. Então é muito relativo. Você tem um crime de grande repercussão, como esse dos dois meninos que foram espancados, que acharam que eram homossexuais e eram irmãos. Esses casos têm grande repercussão. Então a gente observa sempre isso, o que vai chamar atenção. Porque como eu disse antes, jornalismo é filosofia, é paixão, é amor, mas também tem que dar dinheiro. Qual é a função do jornal ir pra rua? Vender. Então a gente tem que vender jornal.

Então o que permite que o Massa tenha uma capa de fofoca, e o A Tarde não, é o público-alvo daquele jornal?
Com certeza, é o público-alvo.

Algumas pessoas defendem que o Correio também é um jornal popular, e que nesse caso seria um concorrente do Massa. Vocês vêem o Correio como um concorrente?
Eu preferia não falar sobre os outros veículos. Eu acho que não é muito ético. Eles até falam muito do Massa. Eu já vi entrevistas de pessoas que trabalham no Correio que falaram tanta coisa do Massa. Gente, esse povo nunca leu o Massa. Dizendo que é um banho de sangue... A gente nunca publicou a foto de um cadáver. Esse povo é louco.

Tem muito preconceito em relação ao Massa.
É... Assim, eu prefiro acreditar que é por pura ignorância. Ignorância no sentido de desconhecimento, de falta de conhecimento do produto.

E como você encara esse preconceito que existe em relação ao Massa?
Desconhecimento. Porque o público do Massa ama o Massa. Eu tava até falando com uma repórter. Até pouco tempo ela estava no A Tarde, e agora ela tá no Massa. E aí, é engraçado. Quando ela trabalhava no A Tarde, ela é uma pessoa muito dinâmica, sempre foi... Mas agora ela anda tão serelepe! Eu falei ‘venha cá, você tá muito serelepe. Você tá gostando da experiência no Massa?’ e ela ‘Ó, eu não vou mentir. Quando a gente vai lidar com a fonte que é autoridade, e eu digo que sou do Massa, o povo meio que não gosta muito, meio que rejeita, olha pra gente atravessado. Mas quando eu chego nos bairros populares, nas comunidades, o povo só falta me carregar. E quando eu era de A Tarde, acontecia o contrário. Quando a gente chega nos órgãos públicos e se identifica como repórter de A Tarde, o povo puxa cadeira, o povo te dá cafezinho, te dá uma água, é aquela paparicação.’ E é mesmo.

E o A Tarde nos bairros populares...
Não... Assim, o povo não maltrata, não destrata. Mas o povo ama o repórter do Massa. O povo adora, é apaixonado... É aquela coisa mesmo, do público-alvo, que é muito fiel.

Como é feita a pesquisa pra saber o que o público... Como vocês sabem o que o público-alvo quer?
É marketing. O marketing pesquisa, não é a gente. Tem a equipe do Massa que é encarregada, incumbida de fazer isso, foi incumbida de fazer isso antes do lançamento do jornal, em um período acho que de quase um ano, um ano e meio. Não é da noite pro dia, é um processo de gestação. A criança é moldável... A não, vai ser assim, vai ser assado, vai ter isso, vai ter aquilo, quantas páginas, quais as cores, como vai ser a diagramação... Tudo é pensado. Não pensem vocês que é porque é bonitinho. Nada é gratuito.

E vocês recebem algum tipo de feedback? Por e-mail, por carta...
Muito. Muito. E-mail, carta, bilhetinho, bilhete de guardanapo, papel de pão, escrito com erro de português, sem erro de português, abraço, beijo... Agora mesmo, essa repórter que eu falei fez uma matéria com Márcio Vitor, que deu manchete acho que ontem ou anteontem, dizendo que ele queria ser ministro da cultura. E aí quando saiu a matéria ele tinha pedido pra ela pra mandar o jpeg, o arquivo da capa e da matéria. Aí ele botou no facebook, fez um carnaval danado, disse que foi a matéria mais importante da vida dele. Imagine. Márcio Vitor, que é uma celebridade da música baiana, e tal. Mas é uma celebridade muito ligada ao público do Massa. O público do Massa é Márcio Vitor. Como ele mesmo canta, ele é periferia, é periferia total.

Como você encara o papel do Massa no meio dos veículos de comunicação da Bahia?
Eu acho que é a voz do povo. O Massa é a voz que o povo não tinha. E as pessoas dizem isso pro repórter: ‘Poxa, vocês estão dando a voz que a gente não tinha. Nenhum veículo nunca nos deu a voz da maneira como vocês nos dão’. O Massa faz isso. E isso incomoda. Talvez seja por isso que o Massa incomode tanto.  Porque é a voz do povo, é a voz do cara que não tem dente, do cara que não sabe falar direito, do cara que só fez até a terceira série primária, do cara que é explorado, da empregada doméstica que não ganha nem um salário mínimo. É a voz dessa galera. O Massa é o povão. Eu fico muito emocionada porque... Imagina, eu fui da editoria de internacional durante muitos anos, então eu vivia “fora” do país. E aí de repente eu passei um tempo em Cidade aqui e fui pro Massa. E como eu estava alienada! Como existia uma Salvador que a muito tempo eu não botava os olhos! Até porque eu não moro na periferia, eu moro em Brotas, no meu mundinho burguês. E aí eu fui ver que... Tem uma coluna na página oito, que se vocês puderem ler, leiam, ela se chama Ombro Amigo. Ombro Amigo é a galera que tá fazendo a casa e acabou o cimento, e pede um saco de cimento a quem puder ajudar pra acabar de construir a casa. É aquele filho que pede uma fritadeira de pastel pra mãe dele vender pastel na porta de casa porque não tem dinheiro pra comprar comida. Sabe, são coisas assim tão... Viu como as pessoas são carentes, como estão necessitadas de coisas tão básicas, tão mínimas? E aí a gente sai, e gasta em uma mesa de bar o que? R$ 100, R$ 150? Tem gente que ganha isso por mês. Então eu acho que a gente, que é formador de opinião, tem que estar em contato com o que acontece lá no mundo do seu Barack Obama, lá nas Europas da vida, mas tem que saber o que acontece aqui também. Porque se no Stiep tem os prédios maravilhosos, as casas maravilhosas, tem as favelinhas também. Eu não sei nem o nome daquelas favelinhas. Você sabe o nome delas? Pois é, a gente fecha os olhos, a gente não vê.  Jornalista, estudante de jornalismo, tem que estar com os olhos abertos para isso tudo. Porque se vocês não tiverem um olhar crítico, quando vocês forem pra rua fazer matéria, entrevistar, vocês vão fazer perguntas superficiais. E perguntas superficiais produzem matérias medíocres. Você tem que saber meter o dedo na ferida. Meter o dedo na ferida da autoridade, do governador. Não tem que ter medo de olhar no olho do governador. ‘Governador, excelência”, mas meta o dedo na ferida. Com respeito, educação. A gente tem que ser a voz do povo. Você tem que perguntar o que aquele carinha ali quer, aquela pergunta que ele não sabe formular. Ele não sabe redigir, ele não sabe falar. Não tem oratória. Comunicólogo tem que ter. Eu acho, pelo que eu vejo, pelo que eu acredito, que os estudantes de jornalismo são muito mal preparados. Não quero saber de quem foi a culpa. “Ah, é porque eu não estudei português na faculdade”, faculdade não é lugar de ninguém aprender português. Isso se aprende até o segundo grau. Na faculdade, teoricamente, você já sabe o que é a língua portuguesa. “Ah, porque eu nunca ouvi falar de Nietzsche." Leia. Vá ler, pesquisar. Leia a bibliografia do curso. Se não conseguir ler tudo, leia parte da bibliografia. Informação, gente. A gente trabalha com informação, cultura, o tempo inteiro. Você consegue identificar, em uma matéria, um repórter de cultura mediana de um repórter de cultura aprofundada. Pelo vocabulário, pelas conexões, pelas ligações que ele faz no texto. Isso a gente só consegue lendo. Lendo tudo: lê site, lê revista, lê jornal, lê livro. Muito, muito, sempre. Até palavra cruzada. É fundamental.

Você falou mais cedo que quem faz o Massa, geralmente, não é quem lê o Massa.
Não, eu não disse isso. Disse que quem faz o Massa não é o público alvo do Massa. Nós fazemos um jornal, para um público alvo ao qual nós não escolhemos. Porque nós somos jornalistas, nós não somos público.

Então isso é um ponto positivo do Massa? Por ele estar dando voz às pessoas que não conseguiriam ter.
Eu acho. Não que os outros veículos não dêem, mas eu acho que o jornal popular - não é o Massa, eu falo pelos jornais populares em geral - dá muito mais.

"Contar histórias. A viagem desse jornal é essa" | Rafael Rodrigues

por Larissa Iten, Naiana Ribeiro e Raquel Muniz



Rafael Rodrigues é repórter de Cidades do Jornal Correio* desde dezembro de 2011. Apesar de jovem, o jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da UFBA (Facom/UFBA) na metade do ano passado, já teve experiências como repórter de Política e Cidades, dentre outras áreas.

Desde que começou a trabalhar, em Junho de 2007, ele já estagiou nos jornais Metrópole, Tribuna da Bahia e no Bahia Notícia. Além disso, já foi Assessor na Câmera Municipal de Salvador, onde permaneceu por 2 anos, ao mesmo tempo em que prestava serviços para o site www.politicalivre.com.br. 

Rafael nos contou que terá que voltar para a editoria de Política, a qual já trabalhou por algum tempo, para cobrir as eleições 2012.

Como é a sua rotina aqui no jornal Correio*?
Nós temos um horário fixo; normalmente há uma programação para cada repórter. Apesar disso, essa escala de horários varia muito com a nossa pauta. Muitas vezes os editores precisam dos repórteres para cobrir alguma coisa, em especial, ou quando há algum evento, por exemplo. Quando a gente chega geralmente já temos uma pauta definida; existe uma reunião de pauta semanal em que somos obrigados a dar uma sugestão de pauta, que são as matérias mais “frias”, “de gaveta”, são matérias mais analíticas, elaboradas, que são feitas para sair, normalmente, no sábado ou no domingo, quando há plantão.
As matérias de fim de semana e feriado são de gaveta, mais analíticas, com pautas mais trabalhadas. Em geral, as pautas do dia são mais factuais, mas muitas vezes a gente consegue, do factual, puxar algo interessante. Matéria sobre farmácia, por exemplo. Cinco assaltos a farmácias em um dia. Isso é estranho. Fomos buscar o que estava acontecendo, e quando fomos ver, existe uma tendência a assaltos a farmácias em Salvador. Fomos ver os motivos desse aumento, e vimos que os empresários não estavam interessados em investir em segurança, por que têm o seguro da mercadoria. Então é isso, ver a realidade, ver o que está acontecendo no dia, e tentar perceber se há a possibilidade de haver uma análise maior sobre o fato.

Então é verdade que as matérias mais “frias” saem normalmente nos sábados, domingos e feriados?
Sim. Qualquer jornal no mundo é assim. Vamos dar um exemplo: Dia de semana, muitas vezes é porque uma pauta caiu. Você tem esse artifício. Você está com uma tese no início da manhã e pode ser que no final da tarde não se confirme. Você tem que investigar, apurar, para isso que existe a apuração. Se no final da tarde você viu que aquele material não rendeu, ele não vale matéria. O jornal não vai sair com menos folhas por que você não tem matéria. Então você tem que ter um plano B.

Sempre tem um plano B, então? Como é? Você já deixa pronto?
Isso é trabalho mais dos editores, não é muito trabalho do repórter. A gente produz os materiais. A equipe tem que estar sempre com um bom número de repórteres, porque uns tem que tomar conta do dia, e um repórter ou dois fazendo matérias que não são do dia, que são de gaveta, mais trabalhadas.

Já teve algum dia que vocês planejaram as matérias de manhã e de noite mudou tudo?

Acontece sempre. Não é pouco comum.

A edição tem um horário certo pra fechar?
Geralmente fecha dez e meia da noite. Mas quando tem jogo, fecha mais tarde. Mas geralmente é às dez, dez e meia. Nosso horário aqui da redação depende da pauta, tem dia que você entra aqui de manhã e sai de noite, porque você começa a apurar coisas e a coisa vai se desenvolvendo durante o dia, e acaba que você faz hora extra. Tem dias que você consegue resolver no horário normal.

Como é processo de seleção das notícias no jornal? Você já recebe a pauta pronta? Você que faz os títulos? E as legendas?
A gente sugere título e legenda. Você já abre o programa de diagramação com a página desenhada e dá a sugestão do título e legenda que o editor vai acatar ou não. Quem fecha o texto e título são os editores, principalmente. A pauta fica aberta a sugestão dos repórteres, mas em geral a gente já chega com a pauta definida. No jornal Correio* tem o Mais*, que são matérias de maior tamanho porque não tem nenhum anúncio na página. Quem define essas matérias também são os editores.
Como funciona a rotina do Mais*? É diferente das outras partes do jornal, não é mesmo?
Então, o Mais* e o 24h são produzidos pela mesma equipe. Se uma coisa do dia que a gente pensava ser importante e depois da apuração percebeu que não é tanto assim, mas vale o registro, vai pro 24h. Uma notícia menor, um homicídio, uma notícia que você pode dar em um espaço pequeno, isso tudo vai pro 24h. Mas tudo depende do desenrolar da apuração. Tem notícia que você pensa que vai pro 24h, mas ao apurar percebe que tem uma história para contar. O jornal Correio* tenta se diferenciar da concorrência porque, além da notícia, tenta contar histórias. Ás vezes há uma história que parece ser besteira, mas rende, que comove as pessoas. O que vale muito pra gente é a história.

Existem casos das pautas caírem por falta de equipe, falta de estrutura para ir para o lugar e apurar?
É tudo por telefone hoje em dia. O A Tarde, por exemplo, tem uma equipe muito maior do que a gente; eles tem gente em Barreiras, em Vitória da Conquista, em Itabuna. Tem coisas que acontecem que não podemos ir para lá, então temos que resolver por telefone mesmo. Tem vezes em que o pessoal até pergunta: "Posso segurar repórter lá? Ele tava com uma matéria tão boa, até melhor que a da concorrência", mas é sorte, às vezes se consegue, as vezes não consegue apurar tão bem. Às vezes dá uma queda de pauta porque não conseguiu render matéria para o Mais*.

Falando de valores notícia, quais são as prioridades dessa seleção? Vocês tem algum critério de noticiabilidade definido?
O gancho conta muito. Como eu falei das farmácias. Você tem que ter o gancho factual, que ajuda muito a sustentar a matéria.

E se for um assunto como a greve, por exemplo? Que já tem muito tempo...
Isso é assunto que todo mundo quer saber o tempo todo, quer estar atualizado. Todo dia, se não tem alguma coisa muito grande, a gente bota no 24h, se tem alguma novidade que vale a pena ser discutida, vai pro Mais*. Essa é uma coisa que está sempre na agenda.

Estudamos que todas as notícias têm os critérios novidade, relevância, proximidade, por exemplo. Aqui no Correio*, algum assunto tem mais relevância que outro? No caso das mortes, por exemplo... 
É como eu falei, depende da história de morte. Um traficante chegou à festa e começou a atirar, por exemplo, e foi matéria de capa. Outro assunto polêmico foi o nosso colega aqui que viu o rapaz ser eletrocutado. Uma pessoa ser eletrocutada, em tese, não é uma notícia que valha tanto espaço, por que não foi por algum motivo de falta de segurança pública, foi uma fatalidade. Mas o fato do repórter ter presenciado e contado o drama como foi, fez o fato ganhar espaço, foi mais a história.

Então a forma como o jornalista conta a “história” também é importante, não é? Aqui no Correio* o que é mais importante, a forma como o jornalista conta ou o fato em si?
Os dois tem que andar juntos. Aqui no jornal tenho liberdade muito grande para ousar no texto. Não chega a ser jornalismo literário, mas posso "brincar" com o texto, não no sentido de deboche, mas saber trabalhá-lo. Nunca tive ninguém “podando” ou cortando meu texto. 

Você acha que os critérios de noticiabilidade mudam por causa dos públicos, ou eles acabam sendo os mesmos?
Mudam. Como eu falei, num jornal que tem leitores mais classe A e que tem um refinamento, por exemplo, pode se dar o direito de falar de economia, que tem muito mais técnicos rebuscados do que um jornal que se pretende mais popular. É diferente. A Folha de S. Paulo quando fala de política, fala para o político ler, mas também para quem gosta de ler política. E quando você faz isso em um jornal mais popular você tem que contextualizar diversas coisas que num jornal como a Folha de S. Paulo você não precisa, parte-se do pressuposto que as pessoas já têm essa bagagem, esse conteúdo para poder entender aquele contexto.

Por que o esporte é tão forte no Correio*? Toda segunda, por exemplo, a capa é sobre esporte.
Acho que em todo veículo é. É por que é um jornal mais popular, então tem esse apelo. O esporte é uma editoria que tem muito apelo, o povo lê, vende muito jornal.

Vocês têm um publico alvo definido?
Não sei. A gente tenta fazer matérias que as pessoas entendam, se encontrem na matéria. Matéria de economia, a gente não usa termos técnicos, é matéria de serviço. Como a pessoa vai financiar melhor o carro. É sempre tentando trazer o jornal para a realidade vida das pessoas, fugindo dos termos técnicos. Política não vai falar dos bastidores, não fazemos política para o político, fazemos para o leitor entender como está a situação da cidade, dos políticos. Enfim, é diferente do que o que a Folha de S. Paulo faz, por exemplo. É uma coisa mais feita para que o povo entenda, e não para o político ler. Tem muita coisa de economia nos jornais que parece que foi feito para economista ler, e a gente tenta aproximar mais do leitor.

Qual a classe social desse público?
Eu não gosto de pensar assim, eu não gosto de subestimar meu leitor. Eu odeio essa proposta do “leitor de 50 centavos”. Eu escrevo meu texto usando os termos que eu quiser usar.


Você lê as matérias dos jornais concorrentes? Você acha que o Correio* é concorrente direto do Massa! ou do A Tarde?
Eu leio. Leio mais o A Tarde. De fato, o maior concorrente, se você for olhar, é o A Tarde. Leio muitos blogs também. Internet é legal. São concorrentes bem francos e diretos, tem muita coisa legal nos sites. 
Eu acho que os 3 jornais tem perfis diferentes. O A Tarde é mais parecido com O Globo, é um jornal mais sisudo, mas não quer dizer que seja ruim, é muito bom em várias aspectos. O Massa! é mais popularzão, mais parecido com o Meia hora, do Rio. E o Correio* transita numa faixa que é um meio termo entre os dois. Eles não são concorrentes diretamente. Claro que são, por que estão todos no mesmo mercado dentro de Salvador, mas cada um tem um objetivo definido e diferente do outro.

Você concorda com a frase “o jornal ou o jornalista tem que dar o que o público quer”?
O que o público quer? Não fico ouvindo o pessoal na rua “e aí, você quer o quê?” não dá pra saber o que o público quer. Nós temos nossos critérios de noticiabilidade, como relevância, tudo aquilo, mas o que é que o público quer? A gente não faz pesquisas de opiniões mensais para mensurar se o público quer saber do quê. É mais o "feeling" mesmo.

A mudança do formato do jornal, o preço e o uso de linguagem mais informal tiveram como principal objetivo tornar o Correio* um jornal mais popular?
Não sei responder essa pergunta, mas deve ser, não é? Eu cheguei aqui em dezembro, e já tinha mudado, foi em 2008. Deu certo, né? Hoje o Correio* é líder no norte-nordeste. De fato, alguma coisa que fizeram deu certo.

Porque algumas capas de assinantes são diferentes das capas das bancas? O perfil deles é diferente?
Deve ser isso mesmo de atingir públicos diferentes. Eu imagino que seja. As capas mais “apelativas” vão mais pra rua do que as capas que são mais de serviço, que vão pro assinante.

Em sala foi discutida a diferença em interesse público e interesse do público. Como você vê essa diferença no jornal?
É aquela questão que você me perguntou mais cedo, né, se o que o público quer ver é prioridade... Eu acho que o interesse público é bem contemplado aqui no jornal. Eu fiz várias matérias que considero interesse público. E interesse do público... Eu acho que interesse do público não é aquele discurso de vestir a camisa da empresa. Nunca escrevi aqui nada que eu discordasse de ter escrito, nem que eu senti forçar a barra para poder vender jornal. Eu tive, por exemplo, há duas semanas, uma matéria que eu gostei muito de ter feito, e que o jornal investiu em mim uns quatro ou cinco dias dedicado só a essa pauta, sobre violência sexual contra adolescentes. É uma matéria de interesse público. É analítica, de interesse público, pegamos várias coisas (dados, etc), e qual foi o gancho factual que sustentou a matéria? Um boletim que a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República distribuiu à imprensa dizendo que a Bahia era líder em denúncia de abuso contra crianças e adolescentes. Isso motivou a fazer a matéria. É um exemplo do que eu estava falando mais cedo. Agora surgiu um novo dado sobre violência contra mulher. E aí uma colega minha falou que estávamos fazendo uma matéria parecida, mas fazendo uma análise de como funciona a violência contra a mulher aqui na Bahia.

Em poucas palavras, como você definiria a linha editorial do Correio*?
Como eu falei: Contar histórias. A viagem desse jornal é essa. Se você vier com uma boa história aqui para contar a editoria se empolga. O objetivo do jornal é esse. Se a história tiver um contexto maior, como se fosse o exemplo de uma situação, melhor ainda. É a questão da proximidade com o público.

Parece que o principal objetivo e “missão” do Correio* é fazer com que o público entenda e se sinta próximo das situações, não é?
É por aí.

Como você vê as linhas editoriais dos outros jornais?
O Tribuna trabalha mais com política, trabalhei no Tribuna da Bahia por três meses e eu diria que tem uma editoria política forte. E o A Tarde é um jornal que quer ser mais sério. O valor notícia é diferente do A Tarde para o Correio*. Acho que a gente puxa mais para a história, o que tem por trás, mas a linha editorial eu acho parecida. O Massa! é mais popular, então as notícias de polícia vendem mais pro Massa!, as capas têm mais esse apelo. Tentam fazer uma linha meio “debochada” das notícias policiais.

Por que às vezes há notícias que saem na capa, mas quando abrimos é só uma nota?
Foi uma coisa muito importante que aconteceu no final do dia, e não deu tempo. Sete horas da noite aconteceu alguma coisa que foi muito importante. Às vezes não há tempo pra escrever mais sobre algo que aconteceu às sete horas da noite. Mas temos que dar essa informação importante, que vale a capa.


Você acredita que existe uma instituição jornalística acima de todas as organizações?
Acho que os cérebros dos jornalistas funcionam meio que parecido, até porque a maioria circula pelos diversos jornais. A forma de saber analisar os fatos e adequar eles para saber se eles valem uma coisa ou outra são bem parecidas. E têm as práticas do jornalismo, a questão de como conduzir uma apuração é bem parecida. A prática é muito parecida em todos os veículos. Acho que essa instituição é mais a forma como os jornalistas se parecem no que eles fazem. Alguns mais competentes, outros mais criativos, mas em geral quem comanda tem uma visão meio parecida do que é notícia.