quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"A liberdade de imprensa é para servir ao público" | Márcia Gomes

Crislane Araújo, Emile Conceição e Émille Cerqueira


Márcia da Silva Gomes (que costuma assinar como Márcia Gomes) é natural do Rio de Janeiro, mas reside em Salvador há 18 anos. É formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (RJ).

Sua trajetória profissional no Grupo A Tarde começou em 1994 quando foi contratada pelo jornal para ser revisora. Permaneceu no cargo até 1998. Após um ano se tornou a primeira repórter de informática do jornal. Nesse período ajudou a criar a editoria de informática do jornal, que hoje não existe mais.

Saiu da empresa em 1998. Continuou trabalhando com jornalismo, mais precisamente com assessoria de imprensa, hora em empresas de assessoria, hora com assessoria própria.

Voltou ao jornal A Tarde em 2005 como repórter. Em outubro de 2007 foi promovida a editora de internacional, cargo em que ficou até outubro de 2010. Migrou para a editoria de Salvador, onde trabalhou de outubro de 2010 até maio de 2011. Em maio foi convidada para trabalhar com edição de Polícia no Massa!, onde se encontra agora.


Durante o tempo em que trabalhou para o Grupo A Tarde, quais foram mudanças conseguiu visualizar na rotina produtiva?
Olha, quando eu entrei da segunda vez em 2005, eu passei pela transição do programa que a gente usa na redação que agora é o GN3, que é um programa mais fácil, mais prático, dá mais agilidade da gente trabalhar, tanto repórter, como editor. Eu observei que nós tivemos uma integração maior das mídias: do on-line (o Portal), o mobi, também da TV on-line, que nós também estamos trabalhando bem integrados. A rádio, ultimamente eu não vou muito [até lá], mas antes quando eu era editora do Internacional no A Tarde, eu trabalhava mais conectada com o pessoal da rádio. Sobretudo na época das eleições dos Estados Unidos quando Barack Obama ganhou. Geralmente, toda dia eu descia para comentar a edição da noite anterior, ou sobre o que eu ia editar no dia seguinte. E também com a entrada do Massa!, nós tivemos que aprender a trabalhar de forma integrada. Os repórteres do Massa! Quando vão para a rua, trazem material para ser utilizado pelos repórteres do A Tarde e vice-versa. Nós aproveitamos o material deles e fazemos uma maquiagem. A linguagem do Massa! é diferente da linguagem do A Tarde. O repórter do A Tarde tem um texto mais, não que seja sisudo, mas um texto mais sério. No Massa!, nós tentamos usar uma linguagem mais popular, leve, muitas vezes até brincalhona. Os repórteres do Massa! quando vão escrever diretamente para o A Tarde, já sabem como vão escrever, quando eles deixam para o editor, nós também já sabemos como vamos transformar essa linguagem na hora que estamos fazendo a edição.
Basicamente, as mudanças principais foram essas.

     E por que é que existe a diferença de linguagem entre um jornal e outro?
Porque são dois públicos diferentes. O público do Massa! pertence às camadas mais populares. É um público com uma expectativa de informação diferente. Elas querem outro tipo de informação, ou melhor, elas não querem outro tipo de informação, na verdade elas querem a informação num formato diferente. E muitas vezes, o A Tarde, por conta do seu formato, não é que não consiga informar, mas não atrai o leitor como o Massa! faz. Por exemplo: uma matéria sobre uma feira de móveis populares em Mata Escura. O leitor do A Tarde mora na Graça, na Barra, na Ondina, na Pituba... Ele certamente não vai se interessar por esse tipo de matéria, mas o leitor do Massa! vai. É uma matéria direcionada para esse público, que tem uma renda pequena, de um salário mínimo. 
                                                                                                                                                              
Então, quando se escreve pro Massa! ou pro A Tarde já se escreve pensando no público.
Claro. Isso em qualquer veículo de comunicação. O público interfere na construção. É um canal de comunicação com o leitor. As pessoas não só inspiram a criação de pautas, como também elas ligam para cá e dão sugestão de pauta mesmo, como manifestações, por exemplo. O A Tarde também cobre esse tipo de coisa. Existe essa comunicação entre veículo e leitor o tempo inteiro. As pessoas ligam, mandam e-mails, falam com os repórteres nas ruas, no momento das entrevistas, a fonte sugere pautas, ou fala alguma coisa que faz o repórter pensar numa pauta. Não é uma coisa isolada, nós temos um canal de comunicação mesmo. Não só a gente como qualquer veículo.

Então vocês trabalham com o interesse do público, não com o interesse público?
Não, claro que não. A liberdade de imprensa é para servir ao público. O objetivo é esse.

Você já participou da apuração de um fato, desenvolveu a notícia, e sua matéria não foi publicada?
Já! Eu não vou dizer que minha matéria foi censurada. Mas os motivos são vários. Nesse jornal eu nunca tive essa experiência, muito pelo contrário. Já fiz matérias bastantes polêmicas, já fui até ameaçada. Uma vez eu fiz uma matéria sobre os funcionários da Eternit, porque muitos morreram e outros estavam condenados a morrer de asbestose, que é um tipo de câncer que eles adquirem quando inalam as partículas do amianto. Eu fiz a matéria toda com uma promotora da parte de meio ambiente, super embasada em tudo que ela me passou. E a Eternit “pirou”. Foram duas páginas e até foi manchete. Teve um evento tempos depois e o presidente da Eternit veio de São Paulo pra cá e ele fez questão de saber quem era Márcia Gomes, querendo me intimidar porque a denúncia era grave. Mas a matéria estava tão bem cercada, tão bem argumentada que eles não conseguiram me processar.

Quais são os critérios utilizados para definir que uma matéria de outra cidade ou estado seja publicada no lugar de uma local?
Os critérios são interesse da população, o que a gente julga que é uma notícia importante. O que é de interesse comum, ainda que tenha acontecido em outro estado ou em outro país. Porque todo veículo de comunicação tem a editoria de internacional. Por exemplo, na Líbia recentemente o ditador foi morto. Isso está longe? Está! Mas isso tem reflexo no mundo inteiro, porque mexe com a economia internacional, com a política internacional. Então o critério é o que a gente julga ser de interesse comum.

Quais são os concorrentes do Massa!?
Eu acho que o Massa! não tem concorrente. Não concorre com o A Tarde porque o público é diferente. Não concorre com o Correio* porque o Correio* não é um jornal popular. O Massa! é o primeiro jornal 100% popular de Salvador. O Correio* é um jornal com formato de popular, mas com um conteúdo parecido com o de um jornal como o A Tarde, ele é um ser híbrido. Tem o preço bastante acessível, a linguagem às vezes é popular e às vezes não é. Então o Massa! não tem concorrente.

Quais os tipos de ocorrências que você acha mais difíceis de serem apuradas?
Eu acho que tudo que envolve a emoção, pra quem tem um pouco dela no coração é mais difícil de cobrir. Se você vai apurar um deslizamento de terra que você sabe que tem 15 crianças soterradas, eu acho que é difícil de cobrir, porque tem que fazer aquilo, mas a qualquer momento vão sair os corpos dali debaixo e você tem que ver. Ou então uma situação como aquela do rapaz que entrou na escola no Rio de Janeiro e matou várias crianças. Quando você convive com a dor do outro eu acho muito difícil, porque você tem que ser profissional, tem que ser frio. Não tem dificuldade pra mim de ter que falar com fonte, porque fonte inatingível não existe. Se você tiver jogo de cintura você consegue chegar em todo mundo. Você tem que ser inteligente para conseguir falar, não tem dificuldade.

Você acha que as campanhas publicitárias publicadas no jornal atrapalham o seu trabalho?
Eu tinha um colega que costumava dizer que jornal é um bando de publicidade com notícias em volta. Às vezes a gente tem essa sensação mesmo. Por que quando a gente faz jornalismo a gente tem as nossas ideologias, os nossos princípios. A gente quer falar da verdade, a gente quer defender os injustiçados, os que sofrem. E se esquece quando vai trabalhar numa empresa, que é uma empresa. O objetivo de toda empresa é qual? Lucro. É o dinheiro. A gente tem que conviver com a invasão de anúncios. Às vezes o anúncio cai. Você está com a página programada, e o anúncio cai nove horas da noite. Faz o que? Desmantela e refaz tudo. Senão eu não ganho meu dinheiro. Não entrem na faculdade achando que a publicidade é o grande vilão da história. Se não tiver publicidade o jornal não sai.

É de conhecimento que o A Tarde possui sucursais em outras cidades. Quais são no momento?
Barreiras, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Santo Antônio de Jesus, Itabuna, Juazeiro e Eunápolis.

Vocês utilizam com frequência as matérias de sucursais?
Todo dia. E o repórter de sucursal tem uma característica diferente. Como ele está na sucursal, ele faz matéria de política, economia, polícia, tudo. Ele é um especialista em tudo.

Quando acontece alguma coisa em cidades que não tem sucursal?
Desloca a mais próxima. Por exemplo, Amélia Rodrigues não tem sucursal, tem em Feira. Aí a repórter de Feira cobre Amélia. Tem um raio, Vitória da Conquista tem sucursal, Jequié não tem, aí Juscelino de Vitória da Conquista vai pra lá.

O deslocamento sempre é possível?
Dependendo da urgência, tem as prioridades. Por exemplo, digamos que aconteçam três coisas em torno de Vitória da Conquista, Juscelino não vai ter como estar nos três lugares ao mesmo tempo. Ou vai escolher o que é mais importante ou manda alguém daqui. Por que a gente também viaja daqui, eu já fui fazer muita matéria no interior. Tem os esquemas. Às vezes dá pra você se programar com antecedência, às vezes não dá. Às vezes as coisas acontecem da noite pro dia. O repórter entra de manhã e fica sabendo que duas horas da tarde ele vai viajar pra Bom Jesus da Lapa. 

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