quarta-feira, 30 de novembro de 2011

“Estamos aqui nos doando emocionalmente, nos colocando no lugar do leitor” | Paulo Leandro

Alice Mazur, Júlia Moreira e Thiago Andrill

Uma breve conversa, mas suficientemente longa para entender um pouco do trabalho minucioso e apaixonante de um jornalista. Foi assim a entrevista que Paulo Leandro, secretário de redação do jornal Correio, concedeu ao blog Teorias do Jornalismo. O professor, jornalista, mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas e doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, falou sobre a produção de notícias, critérios de noticiabilidade e explicou um pouco mais sobre as responsabilidades e a rotina do profissional que tem a função de informar o que o público quer saber.

De qual maneira o secretário de redação participa do processo de elaboração das notícias?
O secretário não escreve uma linha no jornal, mas participa de todo o processo: desde o planejamento até o monitoramento da produção e também o processo de pós-produção, que aqui no Correio nós damos muita importância, que é a crítica da edição do dia. A partir dela a gente aprende com os erros que cometemos e reduzimos as possibilidades de cometê-los outra vez.

O Correio tem um público-alvo específico? 
O Correio tem uma estratégia de vendas de mercado bem definida. Nós alcançamos todas as classes, da 'A' à 'E', e nós somos líderes em todos os segmentos.

O Correio faz frequentemente o uso do ''pra'' ao invés de ''para''. O que faz a empresa jornalística modificar e usar a linguagem coloquial?
A nossa posição aqui é de criar várias possibilidades para você se posicionar enquanto mídia massiva na relação com língua e linguagem. Há jornais que só publicam palavras dicionarizadas, se posicionando do lado da ortodoxia gramatical, da norma culta. Nós, do Correio, preferimos uma posição intermediária. A gente faz uma intermediação entre a língua e a linguagem. A nossa pretensão é colaborar para que a língua fique viva e para que ela possa ser modificada também, a partir do seu uso. O ''para'' é uma palavra que, obviamente, está se desgastando, se transformando rapidamente em ''pra'', assim como ''vosmicê'' virou ''você''. A gente está sempre atento a esse movimento. Não pra adotar uma postura conservadora de publicar apenas o que os dicionaristas consagraram e nem também uma atitude extremista de levar a oralidade plena para as páginas, mas fazer a mediação e, de vez em quando, conceder à linguagem essa glória de passar a ser assimilada no documento escrito e assim a língua se transforma. Dezenas, centenas, milhares de palavras novas são incorporadas ao falar cotidiano e a gente entende que o jornal pode ter uma missão importante nessa mediação, acompanhando a transformação diária da língua, do código. É disso que Michel de Certeau fala: transformar os códigos através das táticas. Como a gente tem uma recomendação, tanto em letras quanto em comunicação, de seguir a norma culta, muitos dos nossos profissionais vêm com um pouco de incerteza. Na nossa orientação aqui é tanto possível assimilar o falar cotidiano e colaborar para que a língua não fique a mesma coisa o tempo todo.

Na edição de segunda feira, 21 de novembro, uma notícia sobre esporte ("Corinthians vence Galo mineiro com golaço de Adriano e continua líder do Brasileirão") ganhou mais destaque do que a notícia sobre o pai que mandou matar o filho para não pagar aumento de R$ 10 na pensão. Quais os critérios de noticiabilidade que influenciaram essa escolha?
A gente vai entrar no maravilhoso mundo das possibilidades e também de como nós dosamos as notícias a partir desses valores e como, também, a sazonalidade influencia no resultado. Como essa é uma edição de segunda feira e nós saímos logo com o esporte na segunda, provavelmente o editor de plantão preferiu acompanhar o esporte, que está em destaque na capa, chamando-o primeiramente para depois chamar as outras notícias. Eu concordo com você que um pai mandar matar um filho de nove anos para não pagar um aumento de R$10,00 na pensão é muito mais notícia, se você colocar na balança da importância, do interesse e do inusitado, do que a vitória do Corinthians. É preciso entrar na questão das especializações. O jornalismo esportivo é tido como periférico, não sério. Ele carrega um pouco esse rastro histórico da época em que era considerado alienante. Para quem não gosta de esporte é desprezível. Como nós queremos atender a todos os públicos, e a edição de segunda feira é forte em esporte, provavelmente o editor que estava na edição achou melhor colocar uma do que a outra. Os livros fornecem sempre uma sistematização consistente de como funcionam as coisas [valores-notícia], mas, é importante sempre contextualizar. Tentar se colocar no emissor da informação. Deve ter alguma coisa que levou ele [o editor] a tomar essa decisão. Eu poderia construir essa hipótese: Primeiro, a importância do dia. Era segunda feira.

E se o homicídio tivesse ocorrido na terça-feira?
Isso poderia até, quem sabe, ter sido a manchete.

Quais são os principais valores-notícia e critérios de noticiabilidade no Correio?
Nós somos uma empresa de comunicação, então nós visamos fazer com que o Correio seja vendido no dia seguinte. Em primeiro lugar, eu não tenho como “descontextulizar o contexto da coisa”, porque eu defendo que seja impossível seccionar a realidade e dizer: ''trabalhe apenas com os valores-notícia do Correio''. É preciso relacioná-los ao meu cotidiano, à minha prática. Isso aqui é uma empresa. Em segundo lugar, eu recebo todos os dias uma planilha de resultados, de vendas, do dia: o que vendeu, o que não vendeu, a região da cidade onde o jornal foi mais vendido. Os nossos valores-notícia estão fortemente impactados pela necessidade de dar esse resultado para a empresa de comunicação. Os nossos valores-notícia são muito expressados pelo inusitado. A mulher ketchup, por exemplo, que forjou a própria morte. Uma professora que dançava em um pagode noturno teve uma grande vendagem. Kelly Ciclone, a menina que se vestia com roupas dessa grife. Uma matéria de hoje (28/11) está baseada no inusitado: Pessoas que fazem a sua iniciação sexual com animais. A gente aposta muito no inusitado, o que se chama fait divers. A atualidade também é um dos nossos valores-notícia. A veracidade, se algo é verdadeiro e pode ser publicado, se aconteceu de verdade. A importância, se é importante para a nossa comunidade, ou não. O jornalismo de serviço, eu não sei se isso pode ser colocado como um valor, pela importância que isso tem para a vida das pessoas. A gente considera o serviço, para o jornal, se tornar útil. O interesse. Xuxa e Ivete, por exemplo, vendem muito. Existe muito interesse por elas. A gente não briga com a notícia. Por que as pessoas gostam de Ivete? Se elas gostam tanto, eu não posso negar uma notícia sobre ela. Todos os dias eu vou construindo em minha cabeça o que é que vende: Aposentado vende.
Isso tudo é calculado em um raio de alcance. No que eu alcanço mais as pessoas? Com o futebol ou o futebol de mesa? Eu venderia hoje o Bahia na série A ou a Liga da Lapinha decidindo a semifinal do campeonato de futebol de mesa? Sem dúvidas, o Bahia na série A, mas como eu desenvolvo isso? Eu acho que está ai o grande fascínio dessa profissão, que é essa magia que eu acho que não se explica plenamente, porque é uma coisa muito humana. É você dar um salto no seu contexto para interpretar o que amanhã vai ser mais consumido pelas pessoas. Esse exercício diário vai deixando a gente mais ''experiente''. A empatia. É isso que o jornalista faz todos os dias: se colocar no lugar do outro. Estamos aqui nos doando emocionalmente, nos colocando no lugar do leitor. A gente está ruminando a edição: o que o meu leitor amanhã vai querer saber sobre o que está acontecendo na comunidade que moro. Essa é a empatia que o senso comum banalizou como se fosse simpatia. Simpatia é uma coisa, empatia é outra e apatia é completamente diferente. A empatia é você se colocar no lugar de outro.

Como você pontuaria a diferença entre o interesse público e o interesse do público?
A questão de Ivete (e Xuxa), como eu exemplifiquei, está ligada ao interesse, e não à importância. Principalmente na área de entretenimento, a gente opera com a curiosidade, nas celebridades e na coluna VIP, por exemplo. O jornal também é feito de notícias ''interessantes'' e divertidas. A gente não gosta de fazer um jornal fechado. O interesse também vai pela forma de como você diz as coisas, não é só pela matéria prima da informação.

Como as pautas são elaboradas no Correio?
São três os poderes da pauta no Correio. Um poder é o de agendar, saber quando as coisas vão acontecer, onde e porque algo pode ser importante. O poder de observação, que é outra ''magia'' que nos fascina no exercício jornalístico. É o poder de estar ligado o tempo todo no que está acontecendo. Hoje mesmo, o meu vizinho já me deu a coluna de sábado (do próximo) no elevador. É estar em um lugar e observá-lo: Passar por uma trilha e ver se tem vestígios de desmatamento. O jornalista é um detalhista. É ir comprar um peixe no Rio Vermelho e ver se o preço aumentou, se as condições de higiene estão boas, ou não. Para o jornalista esportivo é muito bom ir ao estádio, é sempre bom se colocar no plano dos ''normais''. O jornalista quando começa a trabalhar, às vezes, acha que vai para um plano à parte. Ele tem o poder de controlar as notícias. O terceiro é o poder de pesquisa, de conhecimento. Aqui (Correio) nós incentivamos os colegas a pesquisarem muito sobre um assunto. Não temos a presunção de acharmos que somos muito especializados em algo. A especialização é construída dia após dia e requer uma atualização constante. É o outro poder de pauta.

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