Fábio Arcanjo e Lara Maiato
Carioca, aos 30 anos, Juan Torres é editor de cidade do jornal Correio* e apresenta vastas experiências em seu currículo. Graduado em Jornalismo pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Juan Torres começou estagiando no serviço português da Agência EFE, agência de notícias espanhola, e, depois, foi trabalhar no Globoesporte.com. Juan, que entrou na faculdade para trabalhar com esportes, trabalhou cobrindo, daqui do Brasil, a Copa de 2006 e, justamente nesse período, acabou se cansando do Jornalismo Esportivo devido à rotina pouco interessante e cansativa. Em 2007, no entanto, Juan trabalhou no serviço de notícias dos Jogos Panamericanos do Rio, no qual sua função era alimentar o banco de notícias para todos os jornalistas cadastrados. Logo após os Jogos, Juan resolveu experimentar outro ramo do Jornalismo. Foi nesse contexto que, em 2008, Juan veio para Salvador e começou a trabalhar como repórter do Correio*. Dois anos depois, mesmo tentando fugir dos esportes, após participar do Programa Balboa, Juan foi trabalhar no Marca, jornal esportivo espanhol, onde ficou por 10 meses e, então, voltou para Salvador para continuar sua trajetória no Correio*.
Rotina do Editor
Durante a manhã, a chefe de abertura, Linda Bezerra vê as pautas do dia e verifica se há muitas notícias ou se será necessário lançar mão de matérias mais planejadas. Entre às 14 e 15h, Juan Torres e Edvaldo Araújo chegam à redação e iniciam o fechamento do jornal, compilando o que foi feito durante a manhã e separando as melhores notícias. Por volta das 17h, em reunião com todos os editores, verifica-se o que rendeu e se surgiu algo novo. Inicia-se, assim, o fechamento das matérias e separa-se as matérias que irão compor o Mais*, o 24h e o que vai abrir cada página. Entre às 22h e 23h, fecha-se o jornal.
Como funciona a rotina do Mais*?
O jornal não é dividido nas seções em que sai, não há uma equipe para o Mais* e outra para o 24h. Internamente, ele é dividido nas editorias clássicas: uma equipe para Cidade e Bahia, uma para Cultura, uma para Economia, Mundo e Brasil e uma equipe de Esportes. A equipe de Esportes fecha o caderno de Esporte e a parte de esportes do 24h, enquanto a equipe de Cultura fecha as seções de Vida e Variedades. As outras equipes, como a de Cidade, produzem notícias para o Mais* e para o 24h. A distribuição e divisão dessas matérias são definidas nessas reuniões de abertura e de fechamento, sendo que, geralmente, as notícias mais relevantes de Brasil, Economia, Mundo e Cidade vão para o Mais*.
Como se dá essa dissociação entre o Mais* e o 24h? Por exemplo, a matéria “Prefeito que nada” estava no 24h enquanto “O Bruno Surfistinha” estava no Mais*.
Nesse caso, a história do prefeito aconteceu no final de semana – a redação durante os finais de semana tem uma equipe de plantão. Já a matéria do Bruno Surfistinha é uma dessas matérias mais leves e de comportamento trabalhadas que são publicadas no final de semana. Geralmente, o Mais* de sábado, domingo e segunda são fechados na sexta-feira, enquanto o 24h fica aberto e é definido pela equipe de plantão. Claro que se uma notícia mais relevante surgir ela vai ser produzida pela equipe de plantão e pode ir para o Mais*, como no caso do helicóptero que caiu. Já a matéria do prefeito não tinha toda essa relevância para derrubar uma matéria do Mais* e essa decisão foi tomada pelo coordenador do plantão. Apesar disso, a matéria do prefeito saiu na página 3, um espaço valorizado no jornal, no qual a gente busca colocar sempre boas imagens e/ou boas histórias.
Existe algum dia específico em que se faz mais uso de notícias frias, ou seja, um dia menos factual?
As notícias mais frias saem mais no fim de semana, geralmente no domingo e na segunda. Essas pautas são pensadas na segunda ou na terça e são produzidas e trabalhadas ao longo da semana. Na sexta-feira costumamos fechar três jornais: os de sábado, domingo e segunda. Essas matérias são mais profundas e possuem debates mais analíticos. Por exemplo, se durante a semana tivemos muitos assaltos a bancos no interior, então, a gente busca produzir matérias que aprofundam a história, ouve a Federação Brasileira de Bancos e a polícia.
Como se dá o processo de seleção das notícias?
Basicamente, a gente trabalha com dois critérios. O primeiro é a relevância - para quantas pessoas isso é relevante? - relevância para a sociedade, para a população. E o segundo são boas histórias, a exemplo do Bruno Surfistinha, que é o perfil de um cara da classe média que se vale de uma atividade que chama a atenção, por ter um blog e ser um garoto de programa. Isso não é relevante, não vai influenciar muito a vida das pessoas. Outro exemplo é a do Homem Aranha de Brotas, que é uma boa história, não tão boa para quem foi assaltado por ele, e a princípio ela também tem relevância. Já a série especial sobre Irmã Dulce, une tudo: tem interesse para a sociedade, pela representatividade que ela teve, principalmente em Salvador, e pela relevância histórica e tem ótimas histórias.
Até que ponto o Correio* está voltado para o interesse público e até que ponto esse interesse não é tão público, mas sim do público específico do jornal?
Com os critérios que usamos, temos que estar sempre dosando as duas coisas. Um jornal que faz só interesse público se torna um diário oficial, mas não é esse o caso nem o nosso objetivo. O jornalismo tem dois vieses, tem que ter o interesse público, mas também tem que ter o interesse do público, através das boas histórias. E a gente está aqui para contar boas histórias.
Nessa nova configuração do Correio*, houve algumas mudanças nítidas, como o preço do jornal, que agora atinge uma nova camada, e também o tom das notícias, que tem um viés mais cômico e irônico. Como você vê essa mudança?
O Correio*, depois da mudança, tenta dialogar muito com o público dele, que são os baianos, afinal somos um jornal local – estamos sempre dando ênfase em matérias locais e dificilmente entramos em debates que estão longe da realidade do baiano. Essa proximidade com o leitor e com o público tem que se dar em todo o processo de produção, inclusive no texto. E se uma das características do baiano é essa informalidade, essa brincadeira mesmo, essa malemolência no vernáculo, é isso que a gente tenta usar em nossas páginas, essa leveza e falar a língua do leitor. E essa proximidade que a gente tenta criar desde a idealização da pauta – como no caso da editoria de Economia, que está mais voltada pra serviços e para o que pesa no bolso do leitor.
Essa nova estrutura é uma tentativa de se aproximar da camada popular?
Você diria que o Correio*, pelo preço e pelo perfil, é um jornal popular. Mas ele não é só um jornal popular, não é um jornal que vai estampar sangue na capa. Ele cria, naturalmente, uma proximidade com o popular, sem dúvida, mas ele continua atingindo todas as classes. Respondendo à pergunta, sim, é uma tentativa ou uma aproximação de fato da classe popular, é também a formação talvez de um novo mercado leitor – um público que antes do Correio* não tinha acesso a nenhum tipo de veículo informativo, a não ser a televisão.
Por ser do mesmo preço do Massa!, por que você acha que o leitor se aproxima mais do Correio*?
Pelo que eu observo do Massa!, ele é um jornal muito mais escrachado, no sentido de estampar mulher na capa e botar sangue, as manchetes são muito mais fortes, são mais cruéis e mais diretas. E essa não é a proposta do Correio*. São perfis diferentes.
Mas, justamente por esse maior apelo popular, como as mulheres na capa e matérias mais sangrentas, o Massa! deveria atrair mais o público e vender mais – o que não acontece. Por que você acha que acontece isso?
O por quê do Correio* continuar vendendo muito mais do que o Massa! apesar deste ter esses atrativos requereria toda uma pesquisa de mercado. Eu acho que é porque o Correio* não é só isso, ele não procura o sensacionalismo. A gente tenta dosar bem o que é forte numa notícia e o que é “gordura”. Vamos no forte da notícia, mas não vamos com um “megafone”, o Correio* é serviço, é notícia, é interesse público, como campanhas de vacinação, transporte, BRT ou VLT. O Correio* está na pauta da cidade, não só na pauta da delegacia. Mas é necessário uma pesquisa de mercado para comprovar isso.
O Correio* vem ganhando prêmios por fotografias desde a reforma. Até onde a visualidade pauta as matérias do Correio*?
O visual é fundamental. Por exemplo, na série de Irmã Dulce havia toda uma questão visual, a página veio numa cor especial e tudo mais. Se eu quero falar do vulcão, que está atrapalhando o continente inteiro, atrasando vôos, eu quero ver o que é isso. A imagem é tão informação quanto o texto. Por isso o jornal é todo colorido e evitamos ao máximo publicar fotos que sejam só o rosto do cidadão, a gente sempre procura cenas e boas fotos. Já em casos do interior, ou como no assassinato do cidadão no show do Olodum, no qual não tinhamos fotos, a gente procura retratar de outra maneira - com ilustração ou uma história em quadrinhos, que é tão interessante quanto. Às vezes falta uma foto e só um mapa, só uma infografia pode ajudar a visualizar a questão.
E quanto ao questionamento de que esses recursos ficcionais não garantem a veracidade e credibilidade da história?
Discordo. A história é real. Claro, o rosto não é o mesmo, mas isso não tira a importância. Se tiver só o texto, o leitor não vai saber como é o rosto do mesmo jeito. Eu acho que é uma forma de contar uma história tão valiosa quanto um texto, às vezes até mais. A própria série de Irmã Dulce, tínhamos várias fotos que conseguimos junto à família, mas a capa foi uma ilustração. E isso não tirou a beleza, muito pelo contrário. É como contar a história do vôo 447 sem uma infografia ou um mapa pra recriar o que aconteceu e onde poderia estar a caixa preta, por exemplo.
Como você classificaria a linha editorial do jornal Correio*?
Talvez essa fosse uma pergunta para Paulo Leandro. O que posso falar mesmo são os critérios, a relevância e boas histórias. Essa pergunta depois vocês ligam para Paulo Leandro e fazem. (risos)
E dos outros jornais, vocês aqui dentro têm alguma visão sobre a linha editorial o A Tarde, do Massa!, da Tribuna?
O que eu sinto do A Tarde é que ele é um jornal que dá mais espaço para debate, para análise. Eles dão destaque a matérias de política nacional maior que o que a gente dá, até mesmo por questão de espaço. Entram em debates que a gente não entra, até mesmo por causa do espaço, pois nosso jornal é menor. Ao mesmo tempo eu vejo o A Tarde, hoje em dia, um tanto distante do público – e a gente tenta entrar justamente nesse espaço de proximidade do leitor. Mas isso é um achismo pelo que leio dos jornais, não tenho fundamentos numéricos ou pesquisas de mercado. O Massa! é aquilo que falei. Já a Tribuna, eu realmente não sei o que te dizer, não tenho nenhuma análise editorial sobre ela.
Nas últimas semanas, o A Tarde vinha fazendo matérias seriadas sobre a mobilidade enquanto o Correio* estava fazendo uma série de matérias sobre a dengue. Qual o motivo dessa diferença?
A gente deu uma matéria com todos os detalhes e projetos sobre a mobilidade, num domingo, na abertura do Mais*. Já o A Tarde preferiu destrinchar os modelos em matérias seriadas. Eles preferiram explicar os modelos individualmente, enquanto a gente falou de todos simultaneamente. Foi questão de opção editorial, a gente já tinha apresentado o projeto para os nossos leitores, ficamos em cima e ainda demos mais algumas notas a respeito, mas não achamos necessário dar mais detalhes porque já tínhamos feito isso. Por outro lado, resolvemos dar um maior destaque à dengue porque descobrimos que o Exército tinha sido dispensado das ações de combate à dengue e achamos que isso tinha uma maior relevância, por isso demos duas matérias seguidas sobre o tema. Essa diferença pode ser porque a gente procura geralmente sair com notícias mais factuais ou de impacto, sair com matérias mais quentes possíveis.
O Correio da Bahia era um jornal muito voltado à política. Você acha que existe essa tendência de retorno no jornal atual?
Não. Acho que a gente trata de questões políticas quando elas têm relevância. Mas posso garantir que não existe nenhuma influência ou pauta específica porque interessa ao dono do jornal. A gente, hoje em dia, cobre política através do interesse público. A gente entra num debate político de uma forma muito natural.
Você acha que há ainda mercado para um jornal político na Bahia?
Acho que não existe jornal político. Isso é um tiro no pé, um atestado de suicídio. Se você se pauta só pela política, sem uma visão crítica e um distanciamento, você não está fazendo jornalismo, está fazendo um panfleto.
E como é tratar, por exemplo, de uma crise do DEM ou uma pauta mais de esquerda, sabendo que o dono da Rede Bahia tem um posicionamento político bem definido?
Hoje não há na redação nenhum tipo de pauta que venha dos sócios da empresa, nem as pautas que vem daqui são vetadas. A crise do DEM hoje é tratada da mesma forma que a crise do PSDB. Posso afirmar que desde a reforma, quando entrei no jornal, isso nunca aconteceu. Quando uma notícia adquirir relevância, ela vai entrar. O que tiver de ser criticado ou destacado, será criticado ou destacado, como, por exemplo, destacamos as ações da Segurança Pública – que é uma coisa do PT. Um projeto bem feito será elogiado, destacado com o viés merecido. Na minha editoria, eu nunca sofri um veto ou imposição de uma pauta.
Vocês deram uma matéria sobre risco de desmoronamento e, no dia seguinte, aconteceu um desabamento de uma casa no Comércio. Situação parecida com a questão da dengue – morreu uma criança no dia seguinte à publicação de uma reportagem sobre a doença. Como se dá esse estudo para saber o melhor momento para publicar cada matéria?
Esse caso foi uma sorte trágica que tivemos, porque foi outra descoberta, de que o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal tinham entrado com um pedido de liminar contra o IPHAN, União e Município para desocuparem todos os casarões. Provavelmente só a gente teria aquela informação. Mas uma informação quente como essa a gente tinha que dar, não poderia segurar, e no dia seguinte o casarão desabou e matou um travesti, o que acabou dando uma temperatura ainda maior ao jornal. Mas foi um acaso, poderia ter sido o A Tarde a dar a notícia. Se há algum mérito, é do repórter de ficar em cima tentando novas descobertas. A questão da Dengue, especificamente, a gente sabia um mês antes do levantamento e nosso repórter de saúde ficou em cima e conseguiu esse resultado antes dele ser divulgado, mas essa criança foi a 15ª vítima e, inevitavelmente, a qualquer momento outra pessoa viria a óbito devido ao alastramento da doença.
Tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, os jornais são mais caros, há uma apuração maior, o jornal é maior e se privilegiam notícias mundiais e nacionais, não só locais. Você acha que existe espaço para esse tipo de jornal na Bahia?
Eu acho que, por enquanto, não. Seria necessária novamente uma análise aprofundada, mas acredito que não há mercado leitor na Bahia. Enquanto no Rio e em São Paulo, os jornais vendem 300.000 exemplares por dia, em Salvador, nós que somos líderes vendemos 50 mil e o A Tarde vende 30 mil. E essa foi até uma das grandes vitórias do Correio*, não só ter assumido a liderança e passado o A Tarde, mas ter criado um mercado leitor. Mas isso é um processo. No Rio e em São Paulo há uma banca em cada esquina, existe a cultura de assinar o jornal, as pessoas lêem jornais nas praias. Aqui não existe isso, só agora se vê as pessoas na rua com o jornal debaixo do braço e embrulhando peixes. Para se ter um jornal com uma pauta nacional, uma relevância nacional, você precisa ter um mercado consumidor grande e estar numa cidade que tenha relevância e peso econômico-político nacional, como Rio, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, que Salvador, apesar de ser a terceira maior cidade do país, não tem. E você precisa ter leitor porque para você conseguir um furo nacional você precisa de dinheiro, ter uma equipe maior e espalhada pelo país. Hoje, o Correio* tem somente equipes em Salvador, não tem ninguém nem no interios. Primeiro precisamos ganhar fôlego para depois expandir. Na Bahia, por enquanto, a curto prazo, só jornais locais mesmo. É muito difícil a gente querer competir, o Correio* você não compra fora da Bahia.
Você não acha paradoxal o Correio* ter superado as vendas e atingido a meta de 50.000 exemplares vendidos diariamente num período de boom da internet em que a notícia está muito mais disponível?
Acho extremamente paradoxal. Requer um estudo de caso. Mas eu acho que o jornal não substitui a internet, e vice-versa. Para mim, três fatores pesam aí: o público, pois nem todo público a gente atinge com o jornal tem acesso à internet; o preço, pois, por 50 centavos, eu sei que tem mais coisas que eu posso encontrar no Correio* do que na internet; e o aspecto cognitivo, a forma com que você lê o jornal não é a mesma com que você consome uma informação na internet, onde você tem uma postura mais ativa, em que você comanda, seleciona a ordem de leitura das notícias.
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