quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"Eu imagino que a função do jornalista é ampliar a capacidade de visão das pessoas" | Tássia Correia.


Cátia Aragão, Ítalo Richard e Simone Melo



Tássia Correia, 25 anos, é repórter da editoria Local do jornal A Tarde há um ano. Começou como estagiária na Agência A Tarde. Circulou, ainda com a mesma função, pelas editorias de Economia e Política por dois anos. Depois de formada, Tássia trabalhou como freelancer até ser contratada pelo jornal em 2010.

Como você poderia definir a linha editorial do A Tarde
A linha editorial do jornal foi motivo de muita discussão no ano passado, nós passamos por uma série de questionamentos com relação à linha editorial e à produção editorial, tanto sobre o que o jornal queria da gente como sobre se atendia o que estava sendo produzido. A linha editorial exatamente ainda é uma incógnita. O que sabemos são algumas indicações que o jornal passa para nós a respeito do público que eles querem atingir. Um público A e B, com um jornal mais voltado para serviços. Segundo o que foi proposto era que não fosse baseado apenas em denúncias, mas em propostas. Isso é o que foi apresentado para nós nesse processo.

Qual o concorrente direto do A Tarde
O jornal que disputa a mesma pauta com a gente é o Correio. Na diária, por exemplo, se sair uma matéria minha factual que provavelmente o Correio também fez, geralmente a gente lê o Correio para ver o que fizeram, lê se possível também Tribuna, porém mais especificamente o Correio. Nosso concorrente direto é o Correio.

Você já deixou de cobrir um acontecimento para cobrir outro que estava sendo coberto pela concorrência? 
Não. É mais fácil o jornal acrescentar alguma pauta importante, porque o Correio também vai cobrir. Se aparecer no site do Correio, do A Tarde ou em outros blogs de notícia, a pauta é acrescentada. Dificilmente o jornal retira uma pauta. Mesmo porque se o outro veículo está cobrindo é mais uma responsabilidade que a gente o faça.

Algumas pesquisas mostram que o Correio vem abrindo vantagem sobre o A Tarde em número de leitores. Você considera que esse dado possa interferir na linha editorial do jornal?
Repórter não opina muito sobre a linha editorial. Seria mais uma pergunta a se fazer a chefia, porque, para nós jornalistas, a concorrência direta não influencia tanto no que se refere à linha editorial. Nós seguimos o que os chefes orientam.

O Massa! Seria uma resposta ao avanço do Correio? [Nesse momento, Fábio Bittencourt ,repórter doS jornais A Tarde e Massa!, interrompe a entrevista e opina “Apesar da concorrência, os dois jornais têm propostas diferentes”.] É como eu falei, uma coisa é você ser repórter, outra é ser Chefe de Redação, ou dono do jornal, são coisas bem diferentes. Se a criação do Massa! responde ao Correio ou não, só quem pode dizer são os donos do jornal. Particularmente, nós sabemos que o Massa! tem uma proposta muito diferente do Correio, inclusive as pesquisas que nos foram apresentadas mostravam que eles trabalhavam com públicos bem diferentes. Mas se é para atender à concorrência, é mais uma resposta comercial do que uma resposta da reportagem.

Você considera como essencial o uso de imagens nas reportagens?
Aqui é quase uma exigência que você tenha sempre imagens para a matéria. Uma das definições é tentar trazer pelo menos uma para ilustrar. O jornal sempre tem uma previsão de imagens. A quantidade de imagens a serem usadas é mais uma decisão do editor do que do repórter. É claro que pode haver diálogo. É muito possível que se sua matéria não rendeu tanto, o editor dê maior destaque para uma matéria que rendeu mais.

Já aconteceu de você apurar algum fato e ele não ser publicado
Ocorre muita coisa.A gente pode apurar e no final das contas não se tornar um fato tão importante para a publicação. Por exemplo, você descobre que houve um incêndio em algum lugar. A primeira informação que chega é que tiveram muitas vítimas. Depois, na apuração, se descobre que, na verdade, não houve nenhum ferido. Foi algo muito isolado. Então, a matéria acaba não saindo. Comigo nunca aconteceu de apurar um acontecimento e ele não ser publicado.

Nesse processo de apuração como você identifica se a ocorrência é verdadeira? Quais fontes são recorridas? 
Depende muito do fato. Existem pautas diversas, desde um incêndio até uma denúncia de fraude em licitação, por exemplo. Então, dependendo da notícia vai desenvolver um percurso de apuração. Se for um incêndio, o ideal é confirmar com os bombeiros, moradores, vizinhos, ligar para Codesal. Enfim, existem vários caminhos para trilhar. Se for uma fraude, ou algo parecido, o caminho é completamente diferente. Você tem como investigar isso com documentos, com pessoas ligadas ao caso. A notícia é que vai dizer o caminho da apuração.

Quais são os maiores impedimentos estruturais e organizacionais na cobertura dos fatos no interior do estado? Como o jornalista e o veículo conseguem driblar essas dificuldades?
A editoria de Local é responsável por Salvador e Região Metropolitana. Teoricamente, nós não atuamos no interior do Estado. Então, para mim a dificuldade maior seria alguma cidade da Região Metropolitana. Hoje com a internet e com o telefone facilita muito, porque você tem como checar alguns dados para ver se vale a pena ir até o local. Aqui na Região Metropolitana de Salvador, acontecendo alguma coisa, nós temos condições de ir. Fora daqui só quem pode falar melhor é o editor de Bahia, que lida diretamente com isso. O A Tarde tem sucursais em algumas cidades do interior e quem gerencia essaa cobertura é o editor de Bahia.

Você tem ideia de quantas sucursais o jornal possui?
Até onde eu lembro, eram quatro sucursais.

Você pensa no público no momento em que escreve uma matéria para o A Tarde? E que público seria esse? 
Inclusive é um pedido da chefia de redação que você pense no público do jornal. Quando você escreve, a intenção é que seja para o público morador de Salvador, que eles chamam de classe A e B. Além disso, um público que procure por um jornal que ofereça serviços e possa ajudar no seu dia a dia.

Existem pesquisas que comprovem se é realmente esse o público que o jornal atinge?
Quem poderia te informar é a Chefia de Redação. Eu sei que fazem pesquisas, mas para saber quais tipos de pesquisas, se são realmente para saber isso, eu não sei dizer. É porque a reportagem é só uma parte do jornal.

Como se dá a relação do jornalista com o editor no momento da escolha da reportagem? Como são as negociações? Existem muitas concessões da parte do jornalista?
É mais um diálogo. Existem duas formas de você fazer a notícia, geralmente quem trabalha pela manhã com ronda, deixa a matéria pronta e vai embora. O editor pega essa reportagem e faz as adequações necessárias. Existe também o contato por telefone, se houver alguma dúvida ou modificação muito grave a fazer. Você pode ser acionado por telefone a qualquer momento. Porque se o editor tiver alguma dúvida, o mais indicado é que ele fale com o repórter. Sempre que houve alguma modificação no meu texto, o editor me ligou para comentar, discutir e tirar dúvida. Geralmente, o que acontece é um diálogo nesse sentido. Mas, existem concessões dos dois lados, tanto o repórter pode argumentar a favor de algum pensamento, como, por exemplo, achar que uma reportagem prevista para ser pequena mereça sair uma matéria maior, ou o contrário. O editor também pode entrar nesse diálogo e considerar que a forma de abordagem que você fez foi incompleta, que você deve apurar mais ou que precise ouvir uma pessoa específica. Tem sempre um diálogo, é um processo mesmo de argumentação.

Como é a sua rotina produtiva?
A rotina produtiva do jornal é algo engraçado. Depende muito dos outros repórteres. Até a semana passada, por exemplo, eu estava somente como repórter de Local. Chegava às 10 horas, e recebia, geralmente, uma pauta do dia e uma pauta especial. Na segunda-feira estão começando as pautas. Hoje [segunda-feira, dia da entrevista], por exemplo, eu peguei novas pautas, todas que irei conduzir durante essa semana. A primeira coisa que o jornalista faz é conversar com seu editor para saber o que ele espera da pauta. Trocar fontes, perguntar se conhece alguém que possa ajudar, trocar telefones. Depois o fazemos uma pesquisa na internet para buscar artigos, acionar matérias anteriores que já tenham sido feitas sobre o assunto. Se a pauta for do dia, você já tem que ir escrevendo, procurar o editor para desenhar a página, pensar mais ou menos como ela vai ser, se terá ou não imagem, serviço, e já colocar na página. Se for uma matéria especial, eu prefiro ficar com um dia só para a escrita, não misturar com a apuração, mas depende muito de cada repórter. Essa semana como muitos repórteres tiraram férias eu precisei mudar da reportagem diária e agora estou pegando só especiais, estou ficando com dois especiais por semana, a partir daí eu vou organizando a apuração das duas ao mesmo tempo.

Qual foi a matéria que você mais gostou de cobrir?
Eu fiz uma matéria que particularmente gostei muito, foi sobre a atuação de grupos de jovens em shoppings centers daqui de Salvador [“Bonde de jovens invadem shoppings”]. Tem mais ou menos dois meses que foi publicada. Gostei muito porque tive um tempo razoável para fazê-la e consegui entrevistar todas as pessoas que eu queria para falar sobre aquele assunto. Acredito que o resultado da matéria depende muito da apuração. Quando a apuração é completa e rende, a escrita flui de uma forma mais calma. Às vezes você fica ressentido por não ter ouvido alguém para aquela reportagem, de não ter encontrado um pesquisador para comentar sobre o assunto. Nessa matéria, eu consegui falar com todo mundo, inclusive com os meninos que faziam parte desses grupos, chamados bondes.

Então, a quantidade de fontes influencia na qualidade da matéria?
Não a quantidade, mas fontes qualificadas para falar sobre o assunto, pessoas que pesquisaram aquilo, que viveram a situação. Na ocasião daquela reportagem, eu consegui falar com muitas fontes, não no sentido de quantidade, mas de qualidade. Todas as pessoas que poderiam contribuir com o assunto, personagens.

O fator tempo seria um determinante para a qualidade da matéria, já que o jornalista vive sob pressão do tempo?
Depende da matéria. Eu já fiz reportagem de um dia e consegui fluir a matéria completa. Existem outras que demandam mais tempo. É o que a gente diferencia de uma reportagem factual para uma especial. Às vezes, com o factual você consegue em poucas horas falar com todo mundo que está envolvido naquela situação e escrever uma matéria bem interessante que responde completamente. Inclusive teve uma reportagem do interior, em Boipeba, bem distante daqui, que eu consegui falar com praticamente todos os envolvidos na história. Nesse caso, provavelmente por sorte. Se eu tivesse mais tempo, a matéria ficaria da mesma forma. Mas, não é em toda matéria que isso acontece. Essa em específico, a pauta chegou até mim. A fonte já tinha ligado para o jornal sugerindo a matéria, ela já estava comigo. Então não tive dificuldade, eu não fui atrás da matéria, foi ela que veio até mim.

Quando você escreve pensa em interesse público ou interesse do público?
É muito relativo saber qual é o interesse público e qual é o interesse do público. São duas incógnitas na verdade. São todas suposições que você faz de qual é o grande interesse público e qual é o grande interesse do público. Acho que nem o público sabe diferenciar muito bem entre o seu interesse particular enquanto cidadão e o interesse da sociedade brasileira. Eu escrevo com o foco em tentar mostrar o que está acontecendo. Se vai ser o interesse do público ou se vai ser o interesse público, às vezes, varia. Às vezes, você faz uma matéria que talvez não seja de tanto interesse público, uma comoção nacional, mas que tem um apelo forte para esse público daqui. Por exemplo, às vezes, ocorre de você precisar falar de uma exposição que vai acontecer. Eu já fiz matérias que envolvem decoração, coisas assim. Eu, particularmente, não sei dizer qual é o interesse público e qual é o interesse do público. Não tenho essa resposta.

Como se decide, dentro da redação, que um acontecimento ou um fato vai se tornar noticiável?
A gente sugere, como repórter. Muitas coisas acontecem e a gente já recebe a indicação, ‘você vai fazer isso’. Algumas coisas, nós sugerimos, mas a decisão, no final das contas, é da edição. Quer dizer, da edição em negociação com a chefia de Redação. Muitas vezes, você sugere uma matéria, e o editor acha que essa matéria tem mais a ver com outra editoria. Ou acha que não é tão relevante quanto você imaginou. É mais uma decisão da edição.

Quais critérios de noticiabilidade são recorrentes?
O editor pode opinar um pouco mais sobre os critérios de noticiabilidade, porque ele tem uma visão geral da edição. É ele que sabe tudo que vai sair. Algumas pessoas até comentam, quando morre Michael Jackson, deve ser muito triste qualquer outra pessoa morrer nessa mesma época, porque praticamente não será noticiada. Então, depende muito do que acontece. E só quem tem essa visão é do editor para cima. Não é uma coisa que eu tenho como responder. Talvez, seria interessante que vocês conversassem com os editores. São eles que escolhem diariamente qual é a notícia que vai ter mais visibilidade. Eu posso dizer que a minha matéria é a melhor do dia, mas eu não sei que o meu colega está fazendo outra que também é a melhor do dia.

Então chega a haver uma concorrência entre os jornalistas?
Não chega a ser uma concorrência, porque não é uma disputa pela mesma coisa. Pode ser, por exemplo, que essas duas matérias consigam sair com a mesma visibilidade. Então, eu não preciso derrubar a dele para a minha também sair. É mais um diálogo mesmo.

O título das matérias, geralmente, é o repórter que dá? Ou o editor acaba lendo a matéria e escreve um título segundo a linha do jornal?
Depende muito também. Tem repórter que já tem mais tempo de carreira, já tem mais experiência.Também tem repórteres que atuam na edição. Você pode deixar uma sugestão de título para o editor. Ele pode acatar ou não. Se você deixar em branco, o editor vai colocar.

O Massa! aproveita muito das matérias do A Tarde, mas os títulos são diferentes. Isso tem a ver com a linha editorial?
Quando o Massa! tem acesso à matéria, tem acesso ao sistema antes dela ir para pasta, antes de ser titulada. Então, quando o Massa! pega, ele ainda não sabe nem qual é o título que o editor do A Tarde vai dar geralmente. Ele puxa do original. Enfim, é como se dois editores puxassem a matéria e cada um decidisse um título. Se o repórter fizer uma sugestão, pode ser acatada. Agora, claro que a linha editorial do Massa! deve ter uma decisão sobre título diferente.

Qual o papel do jornalista na sociedade?
O papel do jornalismo vem sendo questionado diariamente, tanto na Bahia quanto mundialmente. Com minha profissão, fico sabendo de muitas coisas, que se eu não fosse jornalista eu não saberia. Então, eu imagino que a função do jornalista é ampliar a capacidade de visão das pessoas, para que elas possam perceber que existem coisas além dos seus alcances, e são muitas coisas que influenciam diariamente no nosso dia e a gente não faz nem ideia. Acho que a função do jornalista vem sendo questionada a cada dia. Para mim, é ampliar a possibilidade de visão das pessoas.

Você considera que o público confia no trabalho do jornalista?
Acho que eles não deveriam confiar cegamente em nada. Nem no jornalista. Acho que só na própria mãe. Todo mundo deve ter uma visão muito crítica sobre tudo que chega para si mesmo. Isso tem melhorado bastante, as pessoas têm aumentado o poder de visão crítica ou pelo menos de desconfiança. Eu não sei como era antes, mas hoje você já vê algumas pessoas que se negam a dar entrevista porque têm medo do que pode sair ou têm desconfiança sobre o setor, mas eu acho isso positivo. Justamente, uma das funções do jornalismo é despertar o espírito crítico nas pessoas, e se elas estão mais críticas, ótimo. Que sejam mais e mais.

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