quarta-feira, 30 de novembro de 2011

“ Nunca me colocaram numa cadeira e me falaram: ‘Ó, aqui a gente trabalha assim’ ” | Cristiane Félix


Luiza Sanches, Tácio Santos e Thalita Lima




Cristiane Félix entrou na Tribuna da Bahia em 2009, na equipe de atualização do site do jornal e atualmente trabalha como repórter na editoria de Cidade. Ela nos conta como os interesses do público, do próprio jornal, políticos e econômicos interferem no processo de produção da notícia na rotina da redação.

Como funciona a rotina na redação?
O pessoal começa a chegar no jornal às 7 horas. É a hora que Rodrigo, o chefe de reportagem, também chega. A partir das 7h, é rotatividade total. Tem jornalista nos dois turnos. Aqui, a gente trabalha geralmente 5 horas. Eu chego por volta de 13h30 ou 14h00 e só saio daqui às 19h. Nesse período todo a gente fica produzindo, cada um com sua pauta, e o fechamento acontece em horários diferentes para cada editoria. As editoras de cidade chegam por volta das 16 horas, a editora de política chega mais tarde, por volta das 19h, e a de esporte eu não sei com funciona, mas é ainda mais tarde. As editorias que mais demoram para fechar são as de esporte e cidade. Repórter trabalha entre as 7h e as 19h. O que dura mais também é o site - o jornal é publicado no site, na íntegra. As matérias saem no impresso e saem no site também. Só que o pessoal do (que trabalha no) site não faz isso, eles só atualizam o site o dia inteiro.

Você começou a trabalhar aqui na Tribuna há quanto tempo?
Eu entrei aqui em 2009, comecei no site. Fiquei quatro meses no site, depois me “puxaram” para o impresso, sempre na editoria de cidade. Às vezes a gente acaba fazendo uma coisa ou outra pra Cultura, pra Esporte, pra Política, dependendo da necessidade da redação.


E a reunião de pauta, como funciona?
Repórter aqui na Tribuna não participa de reunião de pauta. Reunião de pauta é com secretário de redação, nosso diretor de redação, que é Paulo Roberto Sampaio e com os editores.

E só depois vocês são informados?
Não, a gente chega aqui, recebe a nossa pauta e vai pra rua, geralmente são duas ou três pautas, e a gente vai pra rua pra fazer. A gente tem a obrigação de entregar pelo menos uma pauta por dia, geralmente a mais factual. As reportagens são mais elaboradas, então a gente tem um prazo maior pra entregar. Mas geralmente tudo sai, tudo o que pauta, sai – quanto não atrapalha nenhum interesse...


Como é que o interesse do público delimita a produção das notícias aqui na Tribuna?
A gente soube até que o jornal ainda tem uma vendagem boa, apesar de concorrer com o A Tarde e o Correio*. Soubemos também, recentemente, que o público não é tão classe C e D, o Jornal é mais lido por pessoas do público A e B. Nenhuma orientação é passada para nós (repórteres), mas o que a gente busca é o que se aprende mesmo na faculdade: atender a todos os públicos, usando uma linguagem mais acessível a todo mundo. E as pautas em cidade giram em torno do interesse da rua mesmo: é o esgoto que tá vazando do lado errado, é o caso do Júlio César que tá virando baderna. A gente trabalha também com denúncia, recebemos muitas aqui por e-mail o tempo todo. Enfim, as pautas são baseadas em denúncias e no que o pessoal (o editor, o chefe de reportagem, o próprio repórter) vê na rua.

Então vocês não escrevem com foco em um determinado público, “o público do Tribuna”?
A gente busca atender àquela faixa que a gente sabe que consome o jornal. A gente escreve pra isso. Mas em termos de pauta, é dia a dia, é o mais factual, é o que tá acontecendo mesmo.

E essa faixa corresponderia a um público mais elitizado, então?
Eu não pensava assim quando eu entrei aqui, mas a última pesquisa que fizeram mostrou isso. O público da Tribuna, hoje, é mais A e B, porque a Tribuna circula muito pela Governadoria, CAB. O forte da Tribuna hoje, e creio que sempre foi assim, é política e esporte.

Você já disse que o A Tarde e o Correio* são os maiores concorrentes. Sustenta isso mesmo com o Correio* apresentando um cunho mais popular?
Mesmo o Correio sendo popular. Porque a vendagem e a tiragem do Correio*, hoje, superam qualquer coisa, né?

Existem valores-notícia que tem influência mais destacada na produção das notícias, aqui na Tribuna?
Acho que relevância sempre, né? Concorrência, a gente sempre vai usar como base, porque nenhum jornal quer “tomar furo” do outro. Então, aquilo que é relevante vai ser feito de imediato, aí entra também a questão da apuração. Nós temos muita proximidade com o público que a gente atende, recebendo denúncia o tempo todo, mas os “valores do Tribuna” nunca me foi passado diretamente.

Então é algo que o repórter assimila por osmose?
É, eu entrei aqui e nunca me colocaram numa cadeira e me falaram “Ó, aqui a gente trabalha assim” – você vai indo...

Mas nem a linha ou a política editorial são passadas para vocês?
Não, você percebe na rotina. O que acontece é: o repórter vai escrevendo e recebendo feedbacks, então dá pra ir percebendo como é que se tem que escrever, como tem que trabalhar.

Então vocês são muito livres no momento de escrever, no momento de apurar?
Sim, somos muito livres.

E de que forma outras pessoas interferem na produção da notícia?
O que a gente recebe aqui é um feedback e não é sempre. Isso você percebe conforme sua matéria vai saindo ou não. Por exemplo, você escreve a matéria de um jeito e a matéria saiu de outro jeito. Acontece com algumas pessoas, geralmente com quem tá chegando que sofre um processo de edição maior. Eu, como já tenho um ano e pouquinho aqui, praticamente o que escreve hoje sai amanhã. E não vou dizer a vocês que a gente não é barrado em algumas coisas – tem algumas coisas que a gente gostaria de escrever, mas não escreve por conta do interesse do jornal, e todo jornal tem interesses. Às vezes, quando se fala demais, a editoria dá uma amenizada no que você escreve. Não adianta escrever muito revoltado com alguma coisa, principalmente se for com relação a governo da prefeitura, de quem recebemos muitos anúncios aqui, não vai sair. (Pode falar mesmo, que é assim mesmo).

Então você nota que muitos interesses econômicos e políticos acabam podando a produção da notícia?
Sim. Todo jornal é baseado e quase que limitado pelo comercial do jornal. Teve um caso com Aguirre [Peixoto], do A Tarde, neste ano. Ele escreveu uma matéria sobre o conglomerado imobiliário e a matéria dele não só não pôde sair como isso tudo revoltou o pessoal lá de dentro e eles fizeram aquelas greves e tal. Aguirre hoje tá na Folha. O Correio* também deve ser assim, não tenho muito contato com o Correio*. Aqui é assim. Isso é passado por osmose para nós.

Na hora de escrever, você mesma se policia?
A gente se policia, mas não deixa de falar o que é importante. Não pode “bater muito”, mas pode “bater”, entendeu? Se for uma coisa que tá errada, ela é dita, mas não é muito explorada. 

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