sexta-feira, 22 de junho de 2012

"Jornalista tem que desconfiar de todo mundo" | Cleidiana Ramos



Lara Pinheiro, Douglas Neves, Maria Virgínia Vieira





Clediana Ramos é oficialmente repórter especial do jornal A Tarde, mas desde novembro de 2011 está na chefia de reportagem da editoria de Cidade. Chegou ao A Tarde com 15 dias de formada e já vai completar 14 anos no jornal. Ela o considera sua escola: "Tudo o que eu aprendi, aprendi aqui".
Depois de um ano e meio no jornal, Cleidiana passou a integrar a editoria de domingo – anexa à de Cidade, mas com equipe própria. Foi lá que aprendeu a fazer matéria especial, e onde ficou até 2003, quando a editoria foi extinta. Foi então que o jornal passou por uma reforma feita por Ricardo Noblat, quando ela foi colocada em uma editoria piloto – a editoria de verão. Uma matéria criada para essa editoria acabou se tornando um caderno especial – Qual a sua cor? A vida e o mundo racista –, publicado no 20 de novembro e finalista do Prêmio de Imprensa Embratel em 2004. No ano passado, ele ganhou uma edição bilíngue (em inglês e português) que circulou em uma conferência da ONU feita em Salvador (Afro XXI - Encontro Íbero-americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes, realizado entre 16 e 19 de novembro de 2011). Foi a primeira experiência do jornal com uma publicação desse tipo. 

Cleidiana é autora dos livros "O Caminho da Água Grande - Município de Iaçu e os entraves para o seu desenvolvimento" (Egba-1998) e "A Janela de Dona Ubaldina - Histórias sobre o município de Boa Vista do Tupim" (2004). É co-autora do livro "A Casa que Fala dos Olhos do Tempo da Nação Angolão Paquetan", organizado por Aristides Alves (Minc, 2010). 

Como é seu dia-a-dia?
É bem diferente. Antes eu trabalhava em reportagem, então era mais ou menos: sugerir pauta – como já estava como repórter especial, normalmente eu mesma trazia as minhas próprias pautas para o jornal. Eu tinha a experiência de fazer a pauta, de apuração e reportagem, e às vezes edição, porque eu já entregava pronto. Como já tinha experiência como editora, normalmente é assim. Agora, nesta função em que eu estou colaborando com o jornal, tenho um editor coordenador, Cláudio Bandeira, da editoria Salvador. Ele é quem trata desde o planejamento até o fechamento. Eu fico ali no meio-campo, para executar o planejamento. Eu chego de manhã, tem umas pautas que a gente sugere, ou ele sugere, constrói em parceria. Cabe a mim sedimentar essas pautas e distribuir para os repórteres, e acompanhar o que eles estão fazendo durante o dia. Eu acompanho também o que a gente chama de "aposta" – a matéria que vai na página A4, a página de abertura da editoria de Salvador. Eu faço essa essa ponte entre a reportagem e a secretaria de redação. Agora há pouco tivemos uma reunião [por volta de 11h, quando a entrevista foi feita], quando a gente apresenta o que tem e a secretaria faz uns ajustes. É uma reunião que envolve todos os editores. Os repórteres não participam porque eles já estão fora, produzindo. Às vezes a gente até corrige a rota aqui no telefone. Cada editoria do jornal tem essa mesma estrutura. Por volta das 16h, fazemos a reunião de "passar o bastão", como a gente brinca aqui.  Os editores chegam para o fechamento – aí já é uma reunião em que participa todo mundo, o grupo da manhã e o grupo da tarde, e a gente passa as coisas para eles: o que tem de aposta para aquele dia, etc, e também decidimos a capa. O que está pronto, o que vai ser manchete, o que precisa completar, se o editor precisa corrigir alguma coisa. A diferença da nossa editoria para as outras é que o editor-coordenador das outras trabalha pela manhã. No caso da nossa, chegou-se a um consenso de que era melhor ele trabalhar à tarde, porque ele tem mais chances de corrigir a rota. Às vezes a gente aposta em uma coisa agora de manhã, e daqui a pouco muda tudo.

Qual a linha editorial do jornal?
O jornal é praticamente a Constituição Federal. O jornal tem a linha de defender a dignidade da pessoa humana, a liberdade de expressão, os direitos básicos do cidadão, ou seja, respeitar a Carta de Direitos Humanos. Respeitar a Constituição brasileira, e aqui se inclui todo o respeito a direitos, à pluralidade. No caso específico do A Tarde, por conta da sua história, de uma empresa completamente centenária, é a defesa dos interesses públicos da Bahia. O jornal faz muito jus a isso, de ter essa identidade com a Bahia. A Tarde já nasceu fazendo campanhas públicas em defesa da Bahia – uma das inovações do jornal na fundação foi essa. Por exemplo: fazer campanha para construir a estátua de Castro Alves; fazer campanha para a nova sede da Biblioteca Pública lá nos Barris – isso foi uma campanha que A Tarde fez, porque a Biblioteca tinha sido queimada no bombardeio de Salvador, em 1902. Essa travessia Mar Grande-Salvador, que acontece até hoje, foi uma campanha do A Tarde. Até a eleição de Marta Rocha como Miss Bahia foi o A Tarde. O A Tarde tem muito essa linha que está atrelada à imagem da Bahia, da defesa da Bahia. Mesmo o que a gente considera essa Bahia imaginária, mas A Tarde tem isso muito arraigado. 

Você considera que o A Tarde é um jornal de referência aqui, como por exemplo a Folha é em São Paulo? Que as pessoas, quando têm que se informar sobre a Bahia, escolhem ler o A Tarde?
É, continua sendo referência, porque é um jornal que vai fazer cem anos agora em outubro. Por mais que você tenha problemas de mercado, você pode discutir aumento, diminuição de tiragem, mas isso você não apaga de uma hora para a outra. É um jornal que tem cem anos, é natural que ele seja sempre lembrado.

Você acha que [fazer cem anos] traz mais credibilidade ao jornal?
Sim, a gente continua tendo essa coisa forte de credibilidade. Me parece que A Tarde tem duas facetas muito fortes nela, e que às vezes as pessoas confundem onde acaba uma e começa a outra. A Tarde é uma empresa jornalística, privada, tem proprietários, tem donos; mas tem aquela A Tarde que está no imaginário de muitos baianos, que é A Tarde instituição. Algumas pessoas não sabem o nome dos donos de A Tarde. Na cabeça delas, A Tarde é uma instituição, como o Ministério Público. Nos tempos de diminuição de quadro de funcionários, de pessoal, de todas as dificuldades que a gente está passando, que são públicas e notórias, a nós temos uma dificuldade enorme – é triste, às vezes – para ter estrutura para atender as pessoas que vêm aqui todo dia. E as pessoas vêm aqui não para atendimento jornalístico, mas sim resolver problemas – o problema do muro com o vizinho; problema porque ligou para a SUCOM e ela não foi atender a  uma solicitação, porque tem um buraco na rua. As pessoas confundem muito o problema que é público com o problema que é privado. Tem aquele problema que é público, de interesse público, que é da obrigação do jornal estar atento e aquele que é do meu interesse pessoal – elas imaginam que isso aqui é o PROCOM, que você comprou o eletrodoméstico, não entregaram, e as pessoas vêm aqui reclamar. 

Esse tipo de "problema" sairia no Massa!?
Sai, se envolver o interesse de uma quantidade considerável de pessoas – como sai no A Tarde também. Às vezes a gente pega aquele problema pessoal e vê se não é uma pauta de interesse público; mas o que eu digo é a coisa do atendimento. Nós temos, como todo jornal tem, canais de reclamação, de Fale com a Gente, etc. Mas as pessoas vêm aqui com a esperança de que nós vamos resolver.  Elas acham que A Tarde é um canal público mesmo, que resolve problemas, independente do que seja. Acontecem as situações mais loucas que você pode imaginar. Tem colegas mais antigos que já atenderam gente com soro aqui. Fugiu do hospital e veio bater aqui. São coisas assim loucas, mas que fazem parte dessa imagem que as pessoas têm na cabeça. Tem muita gente que se surpreende quando ouve que A Tarde tem dono. 
Quem você considera o público leitor do A Tarde?
É muito complicado isso. Eu discordo dessa loucura atual de você segmentar as pessoas em categorias. Em relação à informação isso é muito complicado. Eu posso estar falando uma grande bobagem, porque não sou da área de pesquisa, não sou da área de marketing, mas acho, por empirismo, isso tudo muito relativo. Dizem que o público de A Tarde é o público A e B, que o público do Massa! é o público C e D, e por aí vai. Primeiro eu já começo questionando o que são as classes A e B de Salvador. Há cinco anos, eu fiz uma matéria para um dos cadernos da Consciência Negra, e Salvador tinha, segundo o IBGE, 10% da população que ganhava acima de cinco mil reais. Isso não é classe A. Cinco mil reais é classe média. Média média. Se você vai recortando, você vê: classe A é, digamos, quem tem um faturamento de 15 mil reais. De 10% você vai tirar quanto de Salvador? Eu conheço casos de pessoas que não têm nem o segundo grau completo e que leem A Tarde, e que não leriam o Massa!, como não leriam o Correio*. E que não leem o Correio* nessa nova formatação dele. Conheço pessoas que têm nível superior, moram no Itaigara, e que leem o Massa! ou leem o Correio*. Então você falar disso com um público completamente diverso e que tem interesses diversos é muito complicado. O que eu considero é que A Tarde tem, na minha opinião, um público mais ligado ao que a gente pode chamar de "a velha Bahia" – e isso independe de classe, do quanto a pessoa ganhe, do nível de instrução. São pessoas que estão preocupadas com o esvaziamento do cortejo do Dois de Julho, as pessoas que estão preocupadas com a perda que Salvador tem do ponto de vista da noção do patrimônio, com a Igreja do Rosário dos Pretos que não foi entregue no prazo que foi determinado; são pessoas que estão muito preocupadas com a poluição da Baía de Todos os Santos, por conta do que ela representa do ponto de vista simbólico para a cidade. Gente que está preocupada porque a maior parte dos estudantes da rede pública não sabe quem é Tomé de Souza; gente preocupada com a má qualidade do ensino; que está preocupada porque o maior hospital de traumas do estado não poder cumprir a função dele, que é atender trauma, mas tem que atender porque as pessoas vão para lá, por más condições de saúde e também por falta de informação, que ao invés de procurarem um posto de saúde procuram o HGE.  Eu acho que [o público leitor] são as pessoas que estão nesse patamar de informação, que não estão muito preocupadas com a informação imediata, que você consome e daqui a pouco esquece. Pessoas que estão preocupadas com uma informação mais aprofundada, que faz você pensar. Pessoas que estão interessadas em ler o jornal depois do almoço, em ter o que ler depois do almoço, não apenas folhear de manhã ou ler no ônibus, as pessoas que querem ter tempo para ler o jornal. Eu acho que esse é o público de A Tarde. Eu sou contra essa história de a gente dizer que tem um público. Eu vejo o público como é a Bahia, extremamente diversificada. É difícil você dizer: 'hoje o público de A Tarde é X. A pessoa tem essas características.' Muito difícil. Por mais que se tente, a gente nunca vai conseguir dimensionar. Aliás, é um jornal que chega na Bahia toda. Chega, às vezes com atraso, mas chega. É um jornal que chega em Barra da Estiva. Que chega lá em Floresta Azul. Chega em Barreiras, onde as pessoas têm muito mais aproximação com Goiânia e Brasília do que com Salvador. Inclusive a gente tem uma sucursal lá, a sucursal Oeste. É um jornal tão diverso quanto a Bahia, não tem um público específico.
Questões estruturais e de tempo interferem na construção da notícia? Por exemplo, vocês têm dois acontecimentos importantes em Barreiras, mas só um repórter. E aí?
A gente prioriza o que for mais forte. Inclusive, as sucursais têm um problema, porque elas atendem o jornal todo. Elas não fazem matéria só para a editoria de Bahia. Fazem matéria para Política, Economia. Tem matérias de lá que saem em Política. Se um prefeito é cassado, é mais negócio sair em Política. Se a gente tem algo importante em Itabuna, a gente coloca o pessoal de Itabuna para cobrir e deixa pessoal das outras sucursais com as sub-apostas. É uma coisa de administrar mesmo. 
E quais são os critérios de noticiabilidade?
A primeira pergunta que a gente faz é: a quantas pessoas interessa isso? Qual a quantidade de pessoas que vão ser impactadas por essa informação? Depois a gente avalia as coisas que saem da realidade. É aquela velha história: o cachorro que mordeu o próprio rabo não é notícia, mas se o homem mordeu o rabo do cachorro, aí é notícia. O inusitado. Mas geralmente é o interesse público. O primeiro critério de avaliação para a gente é o que é de interesse público. O que afeta o maior número de pessoas possível.

No domingo (10/06), vocês publicaram uma matéria, de capa, sobre a união estável entre homossexuais ("Avanços ampliam inclusão de vítimas de preconceitos"). Esse assunto não foi abordado em nenhum dos outros jornais (Correio*, Tribuna da Bahia, Massa!) naquele dia. Como é que vocês decidem que ele "merece" entrar na capa e na página A4, uma das mais importantes do jornal?
A gente, nesse novo modelo de jornalismo, tem que pensar em matérias diferentes. Matérias para oferecer ao público da gente uma coisa diferenciada. Adianta você abrir o jornal no dia seguinte e a manchete do jornal ser que o Bahia ganhou do Sport por 2 a 1? Adianta o jornal investir nisso se no outro dia todo mundo já soube? Todo mundo já viu na televisão. O que a gente procura aqui é dar a mesma matéria, que é interessante para todo mundo, só que por outro viés. No jornal de domingo, a gente tentou fazer exatamente isso: a gente tenta fazer a edição de domingo um jornal mais leve, porque a gente passa a semana inteira falando de problema. A gente imagina que o nosso leitor, depois de acordar às 10h da manhã e tomar café com a família, vai querer ler alguma coisa mais leve. Então a gente coloca essas matérias mais "frias", mas dentro de um contexto de Comportamento, etc.

Vocês têm alguma pesquisa de como foi a recepção da matéria? Vocês sabem se o público foi receptivo à ideia [da união estável entre homossexuais]?
Não, a gente não tem feedback. É impressionante. Primeiro, a gente sabe como tratar determinados temas. A gente tem um compromisso de não estereotipar, é uma matéria completamente equilibrada. A gente não faz apologia em nenhum momento. A gente só quer mostrar que o direito da família está mudando. As mudanças que estão sendo introduzidas no Direito estão transformando as famílias. Ali você viu que tinha um casal de homens que ratificou a união e um casal de mulheres que adotou duas meninas. E é impressionante, a gente não recebeu uma ligação contra. Significa que o público da gente, que todo mundo diz que é conservador – porque todo mundo diz que A Tarde é um jornal conservador – significa que é um conservador maravilhoso. Não gritou, nem ligou pra cá, nem entupiu caixa de e-mail. O termômetro que a gente tem, embora a gente não faça uma apuração, é esse: quando não há gritaria nem carga de protesto. Aí a gente sabe que não mexeu com nenhum tabu.

O relacionamento do jornalista com suas fontes foi colocado em xeque recentemente por causa da ligação de Policarpo Jr. com Cachoeira. De que forma você avalia a relação do profissional com a fonte para que não seja prejudicial? É válida essa aliança com qualquer fonte?
Relacionamento de repórter e fonte é um relacionamento de confiança. É um relacionamento de confiança para você buscar informação. Para você cometer crime é outra história, que é o caso em questão. Você não está falando de viés normal, de apuração de notícia. Você está falando de um repórter que tem um relacionamento com uma pessoa extremamente controvertida, que está à margem da lei – não é à toa que está preso – e que é ainda mais complicado, porque você está usando meios escusos para obter informações. Repórter tem que ter responsabilidade. Pode ter uma história completamente polêmica com a qual A Tarde não tenha nada a ver, que A Tarde não tenha culpa nenhuma, porque ela confiou no seu profissional. Um exemplo fictício, para você entender: seu profissional não foi correto com seu jornal. E o jornal pode não ser correto com você. O jornal não é correto com você, por exemplo, se ele te obrigar a mentir por conta de um interesse dele. Nenhum de nós é ingênuo. Nem a gente que entra, desde o primeiro dia de faculdade, nenhum de nós acha que você vai entrar em um jornal comercial, uma empresa privada, e que você vai escrever o que você quer. É aquela velha máxima de Assis Chateaubriand: "quer escrever o que você quer, funde um jornal." Se você quer escrever o que você quer, você tem que fundar sua própria empresa. Isso inclusive é perigoso, porque a sua visão de mundo não é a visão de todo mundo. É complicado você querer impor o seu ponto de vista. Você e a empresa têm determinadas responsabilidades. O relacionamento que você tem com a fonte é pessoal, a empresa não se intromete na sua fonte. É como você consegue a sua informação. No tratamento da informação é que entra um aspecto extremamente relevante, que é o aspecto moral. Qual é o uso que você faz dessa informação, onde você conseguiu essa informação. Para mim, fonte confiável é fonte que se identifica. Essa história de 'eu vou te dar uma bomba, mas não pode dizer que foi eu que falei' eu sempre fico com um pé atrás. Se a pessoa não está aparecendo, ela não está defendendo nenhum tipo de interesse ou causa. Qual o interesse que ela tem em me dar essa informação? O que ela quer com isso? Ninguém faz caridade. Toda informação vem com um interesse por trás. Interesses mais diversos. Eu acho que a melhor coisa, em qualquer nível de atuação profissional no jornalismo, é a desconfiança. Infelizmente, tem que ser assim – tem que desconfiar de tudo e de todo mundo. Eu questiono muito essa coisa de você só ter fonte na polícia, por exemplo. De você escrever tudo o que o delegado te disse. E você não se preocupar em ouvir a pessoa que está sendo acusada. Eu evito colocar, por exemplo, matérias com título "Líder de tráfico em tal lugar". Eu não sei, eu não vi, o cara ainda vai ser julgado. Eu prefiro usar a palavra "suspeito de tráfico." Um episódio que aconteceu aqui: eu estava aqui de manhã e um repórter chegou animadíssimo: tinha ocorrido um assassinato em um bairro. Os moradores disseram que a polícia tinha cometido o assassinato, e a prova era um contracheque que eles tinham achado no local. Ele [o repórter] ficou animado, achou que era uma bomba. Eu perguntei a ele: 'você viu o contracheque no local do crime?' 'Não, os moradores que me entregaram'. Eu respondi: 'e quem te garante que o policial que foi lá, logo depois, não perdeu o contracheque? Pode ter caído do bolso.' Aí ele ficou meio assim. Eu falei que não estava fazendo o discurso da polícia, mas estava agindo como o advogado do diabo. A gente vai expor uma pessoa, dizer que esse cara foi lá, que participou do grupo de extermínio, só porque acharam o contracheque dele. 'Quem te garante que não plantaram esse contracheque lá? O contracheque estava lá quando você chegou?' 'Não, os moradores que disseram que acharam, e depois trouxeram.' 'Os moradores vão aparecer pra dizer isso?' 'Não.'  'E quem vai dizer?' 'Eles não querem dizer porque têm medo.'  'E estão com razão. Porque vão acusar um PM, que tanto pode ser um cara correto, como pode não ser. ' Digamos que a gente pegue o contracheque e coloque no jornal. Esse cara pode ter uma ficha corridíssima, e se você quiser pode checar isso. Por outro lado, mesmo que ele tenha passagem na Corregedoria, não significa que ele estava lá. A gente não tem prova. Eu disse a ele que não é porque as pessoas moram em um lugar desabonado pelo Estado que elas são idôneas. Quem garante a você [o repórter] que a pessoa que te entregou o contracheque não foi mandada lá pelo tráfico do lugar para apresentar essa versão? A gente tem que ser desconfiado. Depois ele admitiu que eu tinha razão. Em outra situação, o mesmo repórter foi cobrir uma rebelião em uma casa de custódia para pacientes com transtornos mentais. A polícia já havia controlado a rebelião. Quando ele chegou lá, um agente disse que a rebelião tinha acontecido porque dois detentos tinham degolado um outro. Eu fiz as mesmas perguntas para ele: 'você tem provas?' 'Não, o cara que falou.' 'E ele prova?' Ele [o repórter] perguntou ao presidente do sindicato e o presidente disse que não sabia de nada. Eu falei: 'mas o presidente do sindicato também pode estar fazendo o jogo do governo. Ou então ele não sabe.' Eu mandei que ele ligasse pro presidente do sindicato de novo, enquanto esperávamos outro colega, que estava mais acostumado a lidar com essas situações, chegar. Se o presidente do sindicato fizesse a denúncia, ótimo, mas ele [o repórter] não ia poder fazer. O presidente checou e disse que era verdade, e que ele assumia. A gente foi à delegacia do Bonfim, porque eles tinham que registrar, senão o corpo não entrava no IML. Quando a gente chegou na delegacia do Bonfim, estava lá. Quando a gente ligou para a Secretaria de Justiça, a gente tinha tudo. A gente tem que ter cuidado, tem que apurar.