quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"A liberdade de imprensa é para servir ao público" | Márcia Gomes

Crislane Araújo, Emile Conceição e Émille Cerqueira


Márcia da Silva Gomes (que costuma assinar como Márcia Gomes) é natural do Rio de Janeiro, mas reside em Salvador há 18 anos. É formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (RJ).

Sua trajetória profissional no Grupo A Tarde começou em 1994 quando foi contratada pelo jornal para ser revisora. Permaneceu no cargo até 1998. Após um ano se tornou a primeira repórter de informática do jornal. Nesse período ajudou a criar a editoria de informática do jornal, que hoje não existe mais.

Saiu da empresa em 1998. Continuou trabalhando com jornalismo, mais precisamente com assessoria de imprensa, hora em empresas de assessoria, hora com assessoria própria.

Voltou ao jornal A Tarde em 2005 como repórter. Em outubro de 2007 foi promovida a editora de internacional, cargo em que ficou até outubro de 2010. Migrou para a editoria de Salvador, onde trabalhou de outubro de 2010 até maio de 2011. Em maio foi convidada para trabalhar com edição de Polícia no Massa!, onde se encontra agora.


Durante o tempo em que trabalhou para o Grupo A Tarde, quais foram mudanças conseguiu visualizar na rotina produtiva?
Olha, quando eu entrei da segunda vez em 2005, eu passei pela transição do programa que a gente usa na redação que agora é o GN3, que é um programa mais fácil, mais prático, dá mais agilidade da gente trabalhar, tanto repórter, como editor. Eu observei que nós tivemos uma integração maior das mídias: do on-line (o Portal), o mobi, também da TV on-line, que nós também estamos trabalhando bem integrados. A rádio, ultimamente eu não vou muito [até lá], mas antes quando eu era editora do Internacional no A Tarde, eu trabalhava mais conectada com o pessoal da rádio. Sobretudo na época das eleições dos Estados Unidos quando Barack Obama ganhou. Geralmente, toda dia eu descia para comentar a edição da noite anterior, ou sobre o que eu ia editar no dia seguinte. E também com a entrada do Massa!, nós tivemos que aprender a trabalhar de forma integrada. Os repórteres do Massa! Quando vão para a rua, trazem material para ser utilizado pelos repórteres do A Tarde e vice-versa. Nós aproveitamos o material deles e fazemos uma maquiagem. A linguagem do Massa! é diferente da linguagem do A Tarde. O repórter do A Tarde tem um texto mais, não que seja sisudo, mas um texto mais sério. No Massa!, nós tentamos usar uma linguagem mais popular, leve, muitas vezes até brincalhona. Os repórteres do Massa! quando vão escrever diretamente para o A Tarde, já sabem como vão escrever, quando eles deixam para o editor, nós também já sabemos como vamos transformar essa linguagem na hora que estamos fazendo a edição.
Basicamente, as mudanças principais foram essas.

     E por que é que existe a diferença de linguagem entre um jornal e outro?
Porque são dois públicos diferentes. O público do Massa! pertence às camadas mais populares. É um público com uma expectativa de informação diferente. Elas querem outro tipo de informação, ou melhor, elas não querem outro tipo de informação, na verdade elas querem a informação num formato diferente. E muitas vezes, o A Tarde, por conta do seu formato, não é que não consiga informar, mas não atrai o leitor como o Massa! faz. Por exemplo: uma matéria sobre uma feira de móveis populares em Mata Escura. O leitor do A Tarde mora na Graça, na Barra, na Ondina, na Pituba... Ele certamente não vai se interessar por esse tipo de matéria, mas o leitor do Massa! vai. É uma matéria direcionada para esse público, que tem uma renda pequena, de um salário mínimo. 
                                                                                                                                                              
Então, quando se escreve pro Massa! ou pro A Tarde já se escreve pensando no público.
Claro. Isso em qualquer veículo de comunicação. O público interfere na construção. É um canal de comunicação com o leitor. As pessoas não só inspiram a criação de pautas, como também elas ligam para cá e dão sugestão de pauta mesmo, como manifestações, por exemplo. O A Tarde também cobre esse tipo de coisa. Existe essa comunicação entre veículo e leitor o tempo inteiro. As pessoas ligam, mandam e-mails, falam com os repórteres nas ruas, no momento das entrevistas, a fonte sugere pautas, ou fala alguma coisa que faz o repórter pensar numa pauta. Não é uma coisa isolada, nós temos um canal de comunicação mesmo. Não só a gente como qualquer veículo.

Então vocês trabalham com o interesse do público, não com o interesse público?
Não, claro que não. A liberdade de imprensa é para servir ao público. O objetivo é esse.

Você já participou da apuração de um fato, desenvolveu a notícia, e sua matéria não foi publicada?
Já! Eu não vou dizer que minha matéria foi censurada. Mas os motivos são vários. Nesse jornal eu nunca tive essa experiência, muito pelo contrário. Já fiz matérias bastantes polêmicas, já fui até ameaçada. Uma vez eu fiz uma matéria sobre os funcionários da Eternit, porque muitos morreram e outros estavam condenados a morrer de asbestose, que é um tipo de câncer que eles adquirem quando inalam as partículas do amianto. Eu fiz a matéria toda com uma promotora da parte de meio ambiente, super embasada em tudo que ela me passou. E a Eternit “pirou”. Foram duas páginas e até foi manchete. Teve um evento tempos depois e o presidente da Eternit veio de São Paulo pra cá e ele fez questão de saber quem era Márcia Gomes, querendo me intimidar porque a denúncia era grave. Mas a matéria estava tão bem cercada, tão bem argumentada que eles não conseguiram me processar.

Quais são os critérios utilizados para definir que uma matéria de outra cidade ou estado seja publicada no lugar de uma local?
Os critérios são interesse da população, o que a gente julga que é uma notícia importante. O que é de interesse comum, ainda que tenha acontecido em outro estado ou em outro país. Porque todo veículo de comunicação tem a editoria de internacional. Por exemplo, na Líbia recentemente o ditador foi morto. Isso está longe? Está! Mas isso tem reflexo no mundo inteiro, porque mexe com a economia internacional, com a política internacional. Então o critério é o que a gente julga ser de interesse comum.

Quais são os concorrentes do Massa!?
Eu acho que o Massa! não tem concorrente. Não concorre com o A Tarde porque o público é diferente. Não concorre com o Correio* porque o Correio* não é um jornal popular. O Massa! é o primeiro jornal 100% popular de Salvador. O Correio* é um jornal com formato de popular, mas com um conteúdo parecido com o de um jornal como o A Tarde, ele é um ser híbrido. Tem o preço bastante acessível, a linguagem às vezes é popular e às vezes não é. Então o Massa! não tem concorrente.

Quais os tipos de ocorrências que você acha mais difíceis de serem apuradas?
Eu acho que tudo que envolve a emoção, pra quem tem um pouco dela no coração é mais difícil de cobrir. Se você vai apurar um deslizamento de terra que você sabe que tem 15 crianças soterradas, eu acho que é difícil de cobrir, porque tem que fazer aquilo, mas a qualquer momento vão sair os corpos dali debaixo e você tem que ver. Ou então uma situação como aquela do rapaz que entrou na escola no Rio de Janeiro e matou várias crianças. Quando você convive com a dor do outro eu acho muito difícil, porque você tem que ser profissional, tem que ser frio. Não tem dificuldade pra mim de ter que falar com fonte, porque fonte inatingível não existe. Se você tiver jogo de cintura você consegue chegar em todo mundo. Você tem que ser inteligente para conseguir falar, não tem dificuldade.

Você acha que as campanhas publicitárias publicadas no jornal atrapalham o seu trabalho?
Eu tinha um colega que costumava dizer que jornal é um bando de publicidade com notícias em volta. Às vezes a gente tem essa sensação mesmo. Por que quando a gente faz jornalismo a gente tem as nossas ideologias, os nossos princípios. A gente quer falar da verdade, a gente quer defender os injustiçados, os que sofrem. E se esquece quando vai trabalhar numa empresa, que é uma empresa. O objetivo de toda empresa é qual? Lucro. É o dinheiro. A gente tem que conviver com a invasão de anúncios. Às vezes o anúncio cai. Você está com a página programada, e o anúncio cai nove horas da noite. Faz o que? Desmantela e refaz tudo. Senão eu não ganho meu dinheiro. Não entrem na faculdade achando que a publicidade é o grande vilão da história. Se não tiver publicidade o jornal não sai.

É de conhecimento que o A Tarde possui sucursais em outras cidades. Quais são no momento?
Barreiras, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Santo Antônio de Jesus, Itabuna, Juazeiro e Eunápolis.

Vocês utilizam com frequência as matérias de sucursais?
Todo dia. E o repórter de sucursal tem uma característica diferente. Como ele está na sucursal, ele faz matéria de política, economia, polícia, tudo. Ele é um especialista em tudo.

Quando acontece alguma coisa em cidades que não tem sucursal?
Desloca a mais próxima. Por exemplo, Amélia Rodrigues não tem sucursal, tem em Feira. Aí a repórter de Feira cobre Amélia. Tem um raio, Vitória da Conquista tem sucursal, Jequié não tem, aí Juscelino de Vitória da Conquista vai pra lá.

O deslocamento sempre é possível?
Dependendo da urgência, tem as prioridades. Por exemplo, digamos que aconteçam três coisas em torno de Vitória da Conquista, Juscelino não vai ter como estar nos três lugares ao mesmo tempo. Ou vai escolher o que é mais importante ou manda alguém daqui. Por que a gente também viaja daqui, eu já fui fazer muita matéria no interior. Tem os esquemas. Às vezes dá pra você se programar com antecedência, às vezes não dá. Às vezes as coisas acontecem da noite pro dia. O repórter entra de manhã e fica sabendo que duas horas da tarde ele vai viajar pra Bom Jesus da Lapa. 

"Eu imagino que a função do jornalista é ampliar a capacidade de visão das pessoas" | Tássia Correia.


Cátia Aragão, Ítalo Richard e Simone Melo



Tássia Correia, 25 anos, é repórter da editoria Local do jornal A Tarde há um ano. Começou como estagiária na Agência A Tarde. Circulou, ainda com a mesma função, pelas editorias de Economia e Política por dois anos. Depois de formada, Tássia trabalhou como freelancer até ser contratada pelo jornal em 2010.

Como você poderia definir a linha editorial do A Tarde
A linha editorial do jornal foi motivo de muita discussão no ano passado, nós passamos por uma série de questionamentos com relação à linha editorial e à produção editorial, tanto sobre o que o jornal queria da gente como sobre se atendia o que estava sendo produzido. A linha editorial exatamente ainda é uma incógnita. O que sabemos são algumas indicações que o jornal passa para nós a respeito do público que eles querem atingir. Um público A e B, com um jornal mais voltado para serviços. Segundo o que foi proposto era que não fosse baseado apenas em denúncias, mas em propostas. Isso é o que foi apresentado para nós nesse processo.

Qual o concorrente direto do A Tarde
O jornal que disputa a mesma pauta com a gente é o Correio. Na diária, por exemplo, se sair uma matéria minha factual que provavelmente o Correio também fez, geralmente a gente lê o Correio para ver o que fizeram, lê se possível também Tribuna, porém mais especificamente o Correio. Nosso concorrente direto é o Correio.

Você já deixou de cobrir um acontecimento para cobrir outro que estava sendo coberto pela concorrência? 
Não. É mais fácil o jornal acrescentar alguma pauta importante, porque o Correio também vai cobrir. Se aparecer no site do Correio, do A Tarde ou em outros blogs de notícia, a pauta é acrescentada. Dificilmente o jornal retira uma pauta. Mesmo porque se o outro veículo está cobrindo é mais uma responsabilidade que a gente o faça.

Algumas pesquisas mostram que o Correio vem abrindo vantagem sobre o A Tarde em número de leitores. Você considera que esse dado possa interferir na linha editorial do jornal?
Repórter não opina muito sobre a linha editorial. Seria mais uma pergunta a se fazer a chefia, porque, para nós jornalistas, a concorrência direta não influencia tanto no que se refere à linha editorial. Nós seguimos o que os chefes orientam.

O Massa! Seria uma resposta ao avanço do Correio? [Nesse momento, Fábio Bittencourt ,repórter doS jornais A Tarde e Massa!, interrompe a entrevista e opina “Apesar da concorrência, os dois jornais têm propostas diferentes”.] É como eu falei, uma coisa é você ser repórter, outra é ser Chefe de Redação, ou dono do jornal, são coisas bem diferentes. Se a criação do Massa! responde ao Correio ou não, só quem pode dizer são os donos do jornal. Particularmente, nós sabemos que o Massa! tem uma proposta muito diferente do Correio, inclusive as pesquisas que nos foram apresentadas mostravam que eles trabalhavam com públicos bem diferentes. Mas se é para atender à concorrência, é mais uma resposta comercial do que uma resposta da reportagem.

Você considera como essencial o uso de imagens nas reportagens?
Aqui é quase uma exigência que você tenha sempre imagens para a matéria. Uma das definições é tentar trazer pelo menos uma para ilustrar. O jornal sempre tem uma previsão de imagens. A quantidade de imagens a serem usadas é mais uma decisão do editor do que do repórter. É claro que pode haver diálogo. É muito possível que se sua matéria não rendeu tanto, o editor dê maior destaque para uma matéria que rendeu mais.

Já aconteceu de você apurar algum fato e ele não ser publicado
Ocorre muita coisa.A gente pode apurar e no final das contas não se tornar um fato tão importante para a publicação. Por exemplo, você descobre que houve um incêndio em algum lugar. A primeira informação que chega é que tiveram muitas vítimas. Depois, na apuração, se descobre que, na verdade, não houve nenhum ferido. Foi algo muito isolado. Então, a matéria acaba não saindo. Comigo nunca aconteceu de apurar um acontecimento e ele não ser publicado.

Nesse processo de apuração como você identifica se a ocorrência é verdadeira? Quais fontes são recorridas? 
Depende muito do fato. Existem pautas diversas, desde um incêndio até uma denúncia de fraude em licitação, por exemplo. Então, dependendo da notícia vai desenvolver um percurso de apuração. Se for um incêndio, o ideal é confirmar com os bombeiros, moradores, vizinhos, ligar para Codesal. Enfim, existem vários caminhos para trilhar. Se for uma fraude, ou algo parecido, o caminho é completamente diferente. Você tem como investigar isso com documentos, com pessoas ligadas ao caso. A notícia é que vai dizer o caminho da apuração.

Quais são os maiores impedimentos estruturais e organizacionais na cobertura dos fatos no interior do estado? Como o jornalista e o veículo conseguem driblar essas dificuldades?
A editoria de Local é responsável por Salvador e Região Metropolitana. Teoricamente, nós não atuamos no interior do Estado. Então, para mim a dificuldade maior seria alguma cidade da Região Metropolitana. Hoje com a internet e com o telefone facilita muito, porque você tem como checar alguns dados para ver se vale a pena ir até o local. Aqui na Região Metropolitana de Salvador, acontecendo alguma coisa, nós temos condições de ir. Fora daqui só quem pode falar melhor é o editor de Bahia, que lida diretamente com isso. O A Tarde tem sucursais em algumas cidades do interior e quem gerencia essaa cobertura é o editor de Bahia.

Você tem ideia de quantas sucursais o jornal possui?
Até onde eu lembro, eram quatro sucursais.

Você pensa no público no momento em que escreve uma matéria para o A Tarde? E que público seria esse? 
Inclusive é um pedido da chefia de redação que você pense no público do jornal. Quando você escreve, a intenção é que seja para o público morador de Salvador, que eles chamam de classe A e B. Além disso, um público que procure por um jornal que ofereça serviços e possa ajudar no seu dia a dia.

Existem pesquisas que comprovem se é realmente esse o público que o jornal atinge?
Quem poderia te informar é a Chefia de Redação. Eu sei que fazem pesquisas, mas para saber quais tipos de pesquisas, se são realmente para saber isso, eu não sei dizer. É porque a reportagem é só uma parte do jornal.

Como se dá a relação do jornalista com o editor no momento da escolha da reportagem? Como são as negociações? Existem muitas concessões da parte do jornalista?
É mais um diálogo. Existem duas formas de você fazer a notícia, geralmente quem trabalha pela manhã com ronda, deixa a matéria pronta e vai embora. O editor pega essa reportagem e faz as adequações necessárias. Existe também o contato por telefone, se houver alguma dúvida ou modificação muito grave a fazer. Você pode ser acionado por telefone a qualquer momento. Porque se o editor tiver alguma dúvida, o mais indicado é que ele fale com o repórter. Sempre que houve alguma modificação no meu texto, o editor me ligou para comentar, discutir e tirar dúvida. Geralmente, o que acontece é um diálogo nesse sentido. Mas, existem concessões dos dois lados, tanto o repórter pode argumentar a favor de algum pensamento, como, por exemplo, achar que uma reportagem prevista para ser pequena mereça sair uma matéria maior, ou o contrário. O editor também pode entrar nesse diálogo e considerar que a forma de abordagem que você fez foi incompleta, que você deve apurar mais ou que precise ouvir uma pessoa específica. Tem sempre um diálogo, é um processo mesmo de argumentação.

Como é a sua rotina produtiva?
A rotina produtiva do jornal é algo engraçado. Depende muito dos outros repórteres. Até a semana passada, por exemplo, eu estava somente como repórter de Local. Chegava às 10 horas, e recebia, geralmente, uma pauta do dia e uma pauta especial. Na segunda-feira estão começando as pautas. Hoje [segunda-feira, dia da entrevista], por exemplo, eu peguei novas pautas, todas que irei conduzir durante essa semana. A primeira coisa que o jornalista faz é conversar com seu editor para saber o que ele espera da pauta. Trocar fontes, perguntar se conhece alguém que possa ajudar, trocar telefones. Depois o fazemos uma pesquisa na internet para buscar artigos, acionar matérias anteriores que já tenham sido feitas sobre o assunto. Se a pauta for do dia, você já tem que ir escrevendo, procurar o editor para desenhar a página, pensar mais ou menos como ela vai ser, se terá ou não imagem, serviço, e já colocar na página. Se for uma matéria especial, eu prefiro ficar com um dia só para a escrita, não misturar com a apuração, mas depende muito de cada repórter. Essa semana como muitos repórteres tiraram férias eu precisei mudar da reportagem diária e agora estou pegando só especiais, estou ficando com dois especiais por semana, a partir daí eu vou organizando a apuração das duas ao mesmo tempo.

Qual foi a matéria que você mais gostou de cobrir?
Eu fiz uma matéria que particularmente gostei muito, foi sobre a atuação de grupos de jovens em shoppings centers daqui de Salvador [“Bonde de jovens invadem shoppings”]. Tem mais ou menos dois meses que foi publicada. Gostei muito porque tive um tempo razoável para fazê-la e consegui entrevistar todas as pessoas que eu queria para falar sobre aquele assunto. Acredito que o resultado da matéria depende muito da apuração. Quando a apuração é completa e rende, a escrita flui de uma forma mais calma. Às vezes você fica ressentido por não ter ouvido alguém para aquela reportagem, de não ter encontrado um pesquisador para comentar sobre o assunto. Nessa matéria, eu consegui falar com todo mundo, inclusive com os meninos que faziam parte desses grupos, chamados bondes.

Então, a quantidade de fontes influencia na qualidade da matéria?
Não a quantidade, mas fontes qualificadas para falar sobre o assunto, pessoas que pesquisaram aquilo, que viveram a situação. Na ocasião daquela reportagem, eu consegui falar com muitas fontes, não no sentido de quantidade, mas de qualidade. Todas as pessoas que poderiam contribuir com o assunto, personagens.

O fator tempo seria um determinante para a qualidade da matéria, já que o jornalista vive sob pressão do tempo?
Depende da matéria. Eu já fiz reportagem de um dia e consegui fluir a matéria completa. Existem outras que demandam mais tempo. É o que a gente diferencia de uma reportagem factual para uma especial. Às vezes, com o factual você consegue em poucas horas falar com todo mundo que está envolvido naquela situação e escrever uma matéria bem interessante que responde completamente. Inclusive teve uma reportagem do interior, em Boipeba, bem distante daqui, que eu consegui falar com praticamente todos os envolvidos na história. Nesse caso, provavelmente por sorte. Se eu tivesse mais tempo, a matéria ficaria da mesma forma. Mas, não é em toda matéria que isso acontece. Essa em específico, a pauta chegou até mim. A fonte já tinha ligado para o jornal sugerindo a matéria, ela já estava comigo. Então não tive dificuldade, eu não fui atrás da matéria, foi ela que veio até mim.

Quando você escreve pensa em interesse público ou interesse do público?
É muito relativo saber qual é o interesse público e qual é o interesse do público. São duas incógnitas na verdade. São todas suposições que você faz de qual é o grande interesse público e qual é o grande interesse do público. Acho que nem o público sabe diferenciar muito bem entre o seu interesse particular enquanto cidadão e o interesse da sociedade brasileira. Eu escrevo com o foco em tentar mostrar o que está acontecendo. Se vai ser o interesse do público ou se vai ser o interesse público, às vezes, varia. Às vezes, você faz uma matéria que talvez não seja de tanto interesse público, uma comoção nacional, mas que tem um apelo forte para esse público daqui. Por exemplo, às vezes, ocorre de você precisar falar de uma exposição que vai acontecer. Eu já fiz matérias que envolvem decoração, coisas assim. Eu, particularmente, não sei dizer qual é o interesse público e qual é o interesse do público. Não tenho essa resposta.

Como se decide, dentro da redação, que um acontecimento ou um fato vai se tornar noticiável?
A gente sugere, como repórter. Muitas coisas acontecem e a gente já recebe a indicação, ‘você vai fazer isso’. Algumas coisas, nós sugerimos, mas a decisão, no final das contas, é da edição. Quer dizer, da edição em negociação com a chefia de Redação. Muitas vezes, você sugere uma matéria, e o editor acha que essa matéria tem mais a ver com outra editoria. Ou acha que não é tão relevante quanto você imaginou. É mais uma decisão da edição.

Quais critérios de noticiabilidade são recorrentes?
O editor pode opinar um pouco mais sobre os critérios de noticiabilidade, porque ele tem uma visão geral da edição. É ele que sabe tudo que vai sair. Algumas pessoas até comentam, quando morre Michael Jackson, deve ser muito triste qualquer outra pessoa morrer nessa mesma época, porque praticamente não será noticiada. Então, depende muito do que acontece. E só quem tem essa visão é do editor para cima. Não é uma coisa que eu tenho como responder. Talvez, seria interessante que vocês conversassem com os editores. São eles que escolhem diariamente qual é a notícia que vai ter mais visibilidade. Eu posso dizer que a minha matéria é a melhor do dia, mas eu não sei que o meu colega está fazendo outra que também é a melhor do dia.

Então chega a haver uma concorrência entre os jornalistas?
Não chega a ser uma concorrência, porque não é uma disputa pela mesma coisa. Pode ser, por exemplo, que essas duas matérias consigam sair com a mesma visibilidade. Então, eu não preciso derrubar a dele para a minha também sair. É mais um diálogo mesmo.

O título das matérias, geralmente, é o repórter que dá? Ou o editor acaba lendo a matéria e escreve um título segundo a linha do jornal?
Depende muito também. Tem repórter que já tem mais tempo de carreira, já tem mais experiência.Também tem repórteres que atuam na edição. Você pode deixar uma sugestão de título para o editor. Ele pode acatar ou não. Se você deixar em branco, o editor vai colocar.

O Massa! aproveita muito das matérias do A Tarde, mas os títulos são diferentes. Isso tem a ver com a linha editorial?
Quando o Massa! tem acesso à matéria, tem acesso ao sistema antes dela ir para pasta, antes de ser titulada. Então, quando o Massa! pega, ele ainda não sabe nem qual é o título que o editor do A Tarde vai dar geralmente. Ele puxa do original. Enfim, é como se dois editores puxassem a matéria e cada um decidisse um título. Se o repórter fizer uma sugestão, pode ser acatada. Agora, claro que a linha editorial do Massa! deve ter uma decisão sobre título diferente.

Qual o papel do jornalista na sociedade?
O papel do jornalismo vem sendo questionado diariamente, tanto na Bahia quanto mundialmente. Com minha profissão, fico sabendo de muitas coisas, que se eu não fosse jornalista eu não saberia. Então, eu imagino que a função do jornalista é ampliar a capacidade de visão das pessoas, para que elas possam perceber que existem coisas além dos seus alcances, e são muitas coisas que influenciam diariamente no nosso dia e a gente não faz nem ideia. Acho que a função do jornalista vem sendo questionada a cada dia. Para mim, é ampliar a possibilidade de visão das pessoas.

Você considera que o público confia no trabalho do jornalista?
Acho que eles não deveriam confiar cegamente em nada. Nem no jornalista. Acho que só na própria mãe. Todo mundo deve ter uma visão muito crítica sobre tudo que chega para si mesmo. Isso tem melhorado bastante, as pessoas têm aumentado o poder de visão crítica ou pelo menos de desconfiança. Eu não sei como era antes, mas hoje você já vê algumas pessoas que se negam a dar entrevista porque têm medo do que pode sair ou têm desconfiança sobre o setor, mas eu acho isso positivo. Justamente, uma das funções do jornalismo é despertar o espírito crítico nas pessoas, e se elas estão mais críticas, ótimo. Que sejam mais e mais.

“Aqui [no A Tarde] você pode falar de tudo” | Cleidiana Ramos

Carla Ribeiro, Gustavo Mões e Susana Rebouças


Cleidiana Ramos tem 36 anos, é graduada em jornalismo pela Facom/Ufba e é mestre em Estudos Étnicos e Africanos pela Faculdade de Filosofia e ciências Humanas da Ufba. Hoje é repórter especial do jornal A Tarde e blogger do Mundo Afro.
Como repórter se especializou na cobertura dos temas ligados à identidade e religiosidade afro-brasileira.
Cleidiana é autora de dois livros-reportagem "Os Caminhos da Água Grande" (Município de Iaçu, suas histórias e impasses para o desenvolvimento), de 1998, a "Janela de Dona Ubaldina" (Histórico do município de Boa Vista do Tupim, 2004); e co-autora do livro "A Casa que Fala dos Olhos do Tempo da Nação Angolão Paquetan", organizado por Aristides Alves e lançado no ano passado.
De agosto a setembro desse ano atuou como facilitadora do Curso de Gênero, Raça e Etnia para jornalista, realizado em oito capitais brasileiras (Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Maceió, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), além de Brasília na modalidade in company para a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação). O projeto ocorreu por meio de uma parceria entre a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e ONU Mulheres.
Cleidiana é a responsável pela formulação do projeto editorial e edição dos cadernos especiais publicados por A Tarde no Dia Nacional da Consciência Negra.

Como ocorre o processo de coleta das pautas no A TARDE?
De forma geral a gente tem tanto as pautas que são elaboradas aqui dentro, sempre a gente procura equilibrar, digamos assim, as pautas próprias, que a gente mesmo pensa, que os repórteres sugerem, como as pautas que chegam via assessoria de comunicação, de órgãos públicos, de movimento social. Então, a gente tem essas duas fontes principais: as nossas próprias, digamos assim, e as que chegam enviadas pelas assessorias de comunicação.


E as pautas do caderno especial da Consciência Negra?
Na verdade, o caderno especial é diferente. O caderno especial tem um projeto editorial. Desde o primeiro a gente optou pelo modelo temático, porque a gente pensou o seguinte, não mudam os temas mais gerais, o dia da consciência negra sempre se discute gênero, ação afirmativa, saúde, juventude. Então, se a gente tivesse um caderno como tema todo ano ia repetir as mesmas coisas. Desde o primeiro optamos por fazer um caderno sobre um tema determinado e a gente explora esse tema até onde pode. A gente sempre procura equilibrar: um ano faz educação, outro ano faz cultura, economia. Esse ano, por exemplo, optamos por uma abordagem mais antropológica e cultural, que foi o dendê. Então a ideia é essa, trazer o tema que a gente possa explorar nas mais variadas vertentes, nos mais variados assuntos.


Para qual público você escreve?

É muito complicado. Aqui atualmente se diz o seguinte, a gente tem pelo menos oito canais. Hoje já não é mais um jornal, é um grupo de comunicação, porque a gente tem dois jornais diários: o mais antigo, a gênese da empresa que é o A Tarde, e o Massa!, um canal mais novo. Temos a Muito, que embora esteja encartada no jornal, é tratada como um canal independente. A gente tem a Rádio A Tarde FM, tem o portal A Tarde Online, tem um provedor de internet, tem o Mobi, um serviço de notícia pelo celular e tem a Agência A Tarde. Então nós, na verdade, somos um grupo de comunicação, e isso é para dar conta dos mais variados públicos que a gente tem. Hoje a gente trabalha com a direção, isso por meio de consultoria, estudos de mercado. A Tarde se concentra no trabalho feito para as classes A e B, e temos o Massa! predominantemente voltado para as classes C e D. Mas isso é muito relativo, no jornalismo a gente vai encontrar situações em que pessoas, do ponto de vista econômico têm as características de consumo de classe A que leem o Massa! e pessoas que têm características de consumo da classe C que leem A Tarde. Mas o que a gente tenta é fazer um equilíbrio entre isso. O A Tarde hoje é feito para um público A e B, embora a gente, nesse caderno da consciência negra, escreva para todo mundo. Até porque temos uma abordagem muito pedagógica, tanto é que desde 2008 a gente descobriu que esses cadernos estavam sendo usados como material didático, e tínhamos esse retorno na rua, de leitores que diziam: “- Ah! Eu aproveitei para dar aula com aquele material”. Isso por conta da lei 10.639/2003 que estabelece obrigatoriamente o ensino de história da arte e cultura afro-brasileira nas escolas e por que Salvador foi a primeira capital do país a operacionalizar a lei em 2005. A grande reclamação era a falta de material didático. Porque você tem muita produção, a Bahia é uma das maiores escolas na área de ciências sociais, de produção de estudos na área dos estudos étnicos raciais. A Bahia é uma escola, ela tem uma tradição nisso. A gente fala escola num sentido amplo em produção de conhecimento, principalmente na área de ciências sociais, antropologia e história, mas o que você tem às vezes é uma produção muito técnica. Então a grande dificuldade, no início, de aplicação dessa lei era a falta de material didático, material para a formação do professor, mesmo, que o professor pudesse usar. E a gente começou a receber retorno que os professores usavam esse material. Porque o jornal consegue fazer isso. Às vezes o jornal pega uma tese de doutorado e consegue traduzir pelo menos a ideia principal da tese, suas principais conclusões numa linguagem mais acessível a todo mundo. Nós aqui temos uma lista de acadêmicos que entrevistamos sempre, que são especialistas, e às vezes a gente consegue fazer essa tradução. Então as pessoas começavam a usar esse material da gente, e por conta disso a gente começou a incorporar no próprio caderno dicas de como usar o nosso material em sala de aula. É uma professora que faz isso, ela tem especialização em história da arte e cultura afro-brasileira, e ela que faz essa tradução desde 2008, é a professora Joseane Clímaco. Então, a gente tem essa abordagem mais pedagógica, ou seja, a gente escreve pra muita gente.

Porque, diferente dos outros veículos, o A Tarde optou por um caderno especial sobre a Consciência Negra?
Eu não sei. Na verdade esse caderno começou aqui em 2003. Ele surgiu de uma pauta, quando o Ricardo Noblat foi editor de redação daqui, ele chegou em 2002 e ficou oito meses. Ele me chamou porque eu tinha participado de um projeto piloto que ele fez aqui, que era a editoria de verão, e uma colega de economia Daniela Silva tinha sugerido uma pauta - ela era repórter de economia na época - para discutir a questão do racismo na Bahia, e ele me chamou porque não acreditava que na Bahia tinha racismo. Então era uma pauta para que nós abordássemos a questão do racismo. A pauta partia de uma experiência, que era, no caso, uma repórter negra, eu, e uma repórter branca, que era Manuela Barros, que não está mais aqui. A gente ia num shopping para tentar consumir, ou seja, entrar numa loja para ver qual era a diferença de tratamento. Quando eu comecei a apurar para preparar o material, a gente foi perceber que a questão da cor daqui da Bahia, como no país inteiro, era muito complicado. O racismo é um tabu, as pessoas não gostam de discutir o racismo no Brasil, exatamente porque foi construída essa ideia de que o Brasil é uma grande democracia racial, que se desmancha no primeiro recorte que você faz em qualquer estudo. 
Se você pega dados do SUS, que passou a incluir raça e cor, você vai ver que o atendimento para pessoas negras, e isso quem está dizendo não é nenhum militante do movimento negro, que o atendimento de uma pessoa negra é menor, mesmo no SUS, do que o atendimento de uma pessoa branca. Os médicos gastam mais tempo com uma pessoa branca do que com uma pessoa negra. Se você pega os dados de educação e faz o recorte de cor, os negros têm menos acesso a educação do que os brancos. Se você pega os dados econômicos, o salário dos negros é menor que o salário dos brancos, mesmo que ambos estejam na mesma função. Isso tudo não pode ser coincidência, embora as pessoas achem que é, ou que é problema de classe. Mas mesmo assim, se a classe pobre é formada por uma maioria negra, numa cidade que é considerada a maior cidade negra das Américas e a segunda maior de população negra do mundo, só perde para uma cidade da Nigéria, Lagos, tem alguma coisa errada. A gente tinha que provar isso, a ideia era essa. 
Quando a gente foi se aprofundando, a gente foi vendo que o problema era muito maior, era extremamente complicado, até a questão da nuance da cor, se você é mais claro, se você é mais escuro, mesmo que você seja negro, isso tem uma diferença. A gente ainda incorporou mais um colega na experiência, Gilson Jorge, que tem um tom de pele mais escuro do que o meu. Curiosamente as coisas mais complicadas aconteceram mais comigo do que com Gilson. E aí a gente foi vendo que a coisa era muito grande. Quando a gente voltou da apuração Noblat disse: “Rapaz, vamos fazer um caderno, porque a gente ficar falando disso todo dia numa série de reportagem vai começar aquela história de, "- Ah! Alguém quer responder à [matéria] que saiu ontem", e a gente não acaba, vamos fazer um caderno”. Aiía gente começou a produzir o caderno. 
Quando ele foi embora, vimos que o material estava ficando super legal, e ai a gente guardou para o 20 de novembro que estava próximo. O caderno saiu e foi um sucesso, e a partir daí a gente não parou mais. O jornal tornou esse caderno um produto estratégico. 
A gente trata ele muito bem, e ele foi se aperfeiçoando. A forma de fazer o caderno é muito diferente de tudo que a gente faz aqui. Acabamos criando uma metodologia muito própria, banco de fonte muito própria. Em 2008, por sugestão até do atual editor chefe, Ricardo Mendes, fizemos uma espécie de conselho de leitores do caderno. A gente convida algumas pessoas para vir aqui no jornal, claro com o compromisso da confidencialidade, eles não vão dizer lá fora o que estamos fazendo, e aí a gente discute com eles a pauta do caderno. E são reuniões extremamente ricas. A gente convida especialistas no tema em que a gente está tratando, e passamos a convidar o pessoal de governo para participar também. Esse ano a gente teve a participação do secretário estadual de promoção da igualdade, o secretário municipal da reparação, que já participou, e esse ano ele não veio porque na hora ele tinha um compromisso. Então isso é extremamente rico.
O caderno da arte que foi o primeiro que a gente fez essa experiência, que foi o de 2008, e o título foi Arte da Resistência, a gente tinha pensado num caderno para falar de arte inspirada em temas negros, ou a arte feita por artistas negros. E o nosso pensamento quando o caderno foi construído, quando a pauta do caderno foi construída era todo clássico, arte clássica. Então nos pensávamos, “Ah! Vamos falar das coleções do Museu Afro”. Mas quando o pessoal veio participar, eu lembro que o professor Jaime Sodré disse assim, “- Ué, vocês não vão falar do hip-hop, não? Vocês não vão falar do grafite, não?”. A gente foi se assustando porque não tinha imaginado essas coisas como arte, e são coisas que inclusive são estratégicos do movimento negro, de discussões do movimento negro. Então mudou completamente, a capa do caderno foi um grafite, e é muito legal o que a gente tem feito. Então todos os anos existe esse compromisso, a gente traz o pessoal aqui, e é uma discussão fantástica, todo mundo participa, vira uma espécie de mini seminário, porque a equipe do caderno toda participa dessa reunião, desde a reportagem até a arte, o pessoal da infografia, todo mundo participa.

Quantos repórteres participaram deste caderno especial?
Deste caderno específico foram Maíra Azevedo, Meire Oliveira, Juracy dos Anjos, Juliana Dias e eu também fiz matéria. Cinco repórteres.

O A Tarde foca mais o interesse público ou o interesse do público?
Na verdade a gente tem eixos de cobertura, que são coisas que a gente levanta a partir de pesquisas de interesse. Eu posso falar de Salvador, a editoria que eu estou mais envolvida. A nossa direção é: o que interessa ao maior número de pessoas possíveis ou que interessa ao público leitor de A Tarde. Então, mobilidade, que hoje é uma questão crucial na cidade, educação, saúde, religião, comportamento, patrimônio e meio ambiente, esses são alguns nortes de cobertura que a gente tem. Então, dentro desse guarda-chuva enorme a gente se movimenta. Mas sempre buscando o que é de interesse publico num sentido amplo, ou seja, o que impacta a vida, tanto do ponto de vista positivo quanto do ponto de vista negativo, o maior número de pessoas possíveis.

A politica do A Tarde interfere no processo de construção da notícia?
A gente tem um código, ou um compromisso editorial de defender a pluralidade, combater qualquer tipo de preconceito, defender o interesse publico, ou seja, nada que difere do código de ética do jornalismo. É isso que a gente tem como direção. Claro que o jornal tem interesses comerciais, isso aqui é uma empresa privada, não é autarquia, como muita gente pensa. As pessoas, às vezes, pensam imprensa como autarquia. Se você for olhar os grandes jornais do país estão nas mãos de, no máximo, 10 grupos empresariais. Então, você não pode ser ingênuo e achar que não, mas se eu tenho um negócio eu tenho interesses e meu interesse é o lucro. Então eu não posso imaginar que isso está abaixo do compromisso. Claro, é um tipo de negócio diferente dos outros negócios, mas é um negócio. E o que dá a baliza desse negócio é o compromisso ético, não só dos jornalistas que trabalham aqui, como dos donos do jornal. Eles sabem que estão lhe dando com uma coisa extremamente difícil, que é formação de opinião. Entra em questão de escolha, de consciência, é um processo que tem muito parâmetro. Agora, é claro, o jornal tem os interesses comerciais dele. Mas assim, do ponto de vista de censura, a gente não tem aqui nenhum tipo de censura. Eu tenho 13 anos aqui no jornal, diretamente eu nunca recebi esse tipo de ordem, “bata no governo”, “não bata no governo”. Esse jornal já foi acusado de ser carlista, já foi acusado de estar em cima do muro, depois já foi acusado de ser anticarlista, depois já foi acusado de ser oposição, agora ele é acusado de ser situação. Às vezes as pessoas lá fora etêm uma avaliação do órgão de comunicação que nem os próprios donos imaginam. É engraçado isso, o A Tarde sempre foi tido como um jornal conservador e hoje o A Tarde é referência no tratamento do tema de cidadania, o que a gente não veria num jornal dito conservador. Em relação à cobertura étnica, o jornal é referência nacional, porque os grandes jornais sempre deram essa desculpa ao movimento negro: “A gente não cobre questões de racismo porque é militância”. A gente cobre isso aqui, sempre cobriu, e de forma mais continuada há oito anos. Nenhum de nós aqui é militante. Eu não sou filiada a nenhuma organização do movimento negro, como nenhum dos outros repórteres que fazem isso aqui. E a gente dá matérias, debate ações afirmativas, desigualdade racial em saúde, desigualdade racial em educação, desigualdade racial em cultura, a gente debate intolerância religiosa em um jornal que é dito conservador e católico, falamos de todo mundo aqui. A gente tem matéria até com templo de bruxaria celta. Às vezes as pessoas carimbam a empresa de uma forma e a empresa, às vezes, muda tanto. Hoje é tão dinâmica essa coisa de jornalismo, os jornais impressos diante da crise quebra cabeça o tempo inteiro. Aqui a gente já mudou de várias orientações editoriais, exatamente para tentar achar caminhos diferentes da crise que é mundial. Então, o jornal muda tanto e às vezes e as pessoas não acompanham essas mudanças.

Já aconteceu de alguma matéria sua ser modificada por conta desses interesses da empresa? Não. Até porque aqui a gente não tem essa prática de você interferir, mudar a matéria e assinar com seu nome. Aqui a orientação é que se uma matéria  não está adequada ao que se tem como princípio de informação, ela fica para outro dia, para adequá-la ao que é feito. Agora mudar o texto? Aqui nunca houve essa prática, não. Aqui você pode falar de tudo. Agora é claro que a gente também tem responsabilidade, você não pode fazer qualquer tipo de relação leviana sem ouvir o outro lado. Nada que os manuais de jornalismo não mandem, é o que a gente faz. Agora comigo nunca aconteceu, aqui dentro não conheço nenhum caso de matéria modificada por causa de interesse. É mais fácil não sair, do que sair modificada.

Como você definiria a linha editorial do A Tarde?

É um jornal muito voltado para região, para os interesses regionais, até por que é um jornal de muita penetração no interior. É o único jornal que chega no interior do estado.

“Mas realmente as pessoas gostam de ver sangue, de ver crime. A gente escreve sobre o que a gente acha que as pessoas vão ler mais” | Priscilna Chammas

Jessica Lemos, Cláudio Jansen e Raquel Muniz




Priscila Chammas, 27 anos, é formada em Produção Cultural e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia desde 2009. Trabalhou como assessora de imprensa e há um ano e meio é repórter da editoria Mais! do Correio*. Em entrevista, ela contou um pouco sobre seu trabalho no jornal, a rotina produtiva, critérios de noticiabilidade, linha editorial do veículo e a sua visão sobre o público o qual ela escreve.

Como é a sua rotina produtiva como repórter no Correio?
A gente chega aqui recebe uma, duas, três, cinco, 10 pautas e ou vai para a rua, ou vai por telefone. A gente não segue uma rotina. Cada dia acontece uma coisa diferente. Às vezes, você vai cobrir um homicídio, outra vez, você vai cobrir uma aula de uma escola, assim coisas totalmente diferentes, é totalmente imprevisível a rotina do jornalista.

Quais os critérios que vocês usam para selecionar o que será ou não notícia?
Eu não sei de todos. Então, eu não sou a melhor pessoa para falar isso, mas normalmente são coisas que não são muito comuns de acontecer, por exemplo, se fala muito que uma morte na favela não é tão noticiada como a morte na Graça, num bairro nobre. Não é porque pobre pode morrer e rico não pode, é porque não é normal. Um assassinato, na Graça, não é uma coisa normal, mas um assassinato, na favela, é uma coisa que acontece todo dia. Não é que seja menos importante, mas é mais raro de acontecer (assassinato em bairros nobres), por isso que vira notícia. Coisas mais próximas da gente, também, coisas que acontecem em Salvador, a gente noticia mais que coisas que acontecem no interior que fica a 800 km daqui. Bom, eu confesso que não me lembro todos os critérios, mas basicamente é isso. E coisas relevantes, graves mesmo como um cara que matou 35 (pessoas), esse cara que cobri hoje (25 de novembro de 2011) mesmo. É isso.

Qual a linha editorial do Correio?
Bom. Muitas páginas de esporte. O pessoal gosta muito de ler sobre esporte e crime também. O pessoal, eu não acreditava até quando vim trabalhar aqui, mas realmente as pessoas gostam de ver sangue, de ver crime. A gente escreve mais sobre o que a gente acha que as pessoas vão ler mais. Política mesmo, eu vim aqui para cobrir as eleições, mas não existe uma editoria de política, porque o leitor do Correio* não lê muito sobre política. A gente só cobre quando acontece algum evento, alguma coisa fora da rotina. O dia a dia político a gente não cobre. Economia não é uma coisa mais de serviço. Aumento de professores é a economia que a gente dá, pois é uma coisa mais prática da vida do nosso leitor, por exemplo.

Então, vocês priorizam o interesse do público ao invés do interesse público?
Isso todo veículo comercial tem que priorizar. O interesse do público. Os interesses, às vezes, se confundem um com o outro, não é? Por exemplo, uma denúncia de corrupção. É de interesse do público, mas também é de interesse público.

Então, vocês do Correio acreditam que Violência e Esportes são as prioridades para o público do Correio*?
É o que o leitor gosta. A gente tem que escrever o que o leitor quer ler. Não adianta a gente escrever sobre uma coisa que a gente ache que é de interesse público. Se a pessoa não vai ler, não vai ser interesse público porque ninguém vai ler, não vai ter nenhuma repercussão. A gente tem que escrever o que a pessoa quer ler, não tem jeito (risos).

Qual o público-alvo do correio?
O Correio* já é o mais lido por todas as classes sociais, por todas as idades, por todos os dias da semana. Então, a gente não tem mais público alvo. O público alvo é todo mundo. Então, a gente tem que ir pelo “Homer Simpson, se você quiser ler o artigo de William Bonner, Homer Simpson é um homem médio, o que a gente tem que tirar uma média nem muito pra baixo, nem muito pra cima, uma média que todo mundo entenda, que todo mundo consiga acompanhar.

O Jornal Correio passou por uma reformulação, como se deu essa mudança?
Com essa mudança, a gente tinha, eu não sei o número exato, mas tínhamos uma tiragem de 15 mil exemplares, era bem baixo. A gente estava quase empatado com o Tribuna, que é o terceiro. E depois que teve a mudança, disparou na frente, está quase o dobro do A Tarde, hoje. Assim, o dobro eu não sei, mas está com 47 mil, com tiragem de quase 50 mil, está bem alto. Assim, agora é um jornal mais fácil de manusear, é menorzinho, tem mais figuras, é colorido, é uma leitura mais agradável, ler textos menores. Eu não fiz parte dessa reformulação. Quando cheguei, já estava reformulado. Então, não acompanhei, mas eu, como leitora, eu não lia o Correio* antes. E, quando mudou, eu passei a preferir ler o Correio* do que qualquer outro jornal, mesmo antes de trabalhar aqui, porque é uma leitura muito agradável, mais dinâmica, até de segurar o jornal; o A Tarde, você segura, cai todos os cadernos para um lado, para o outro (risos). O Correio você consegue ler no ônibus.

Como você lida com a pressão do jornalismo diário? Nesse sentido as relevâncias dos critérios mudam para construção da notícia, como ao fazer uma entrevista no local do acontecimento?
Você tem que ouvir todos os lados. Nem que seja para uma das pessoas falarem “Não quero dizer nada”, mas a gente tem que ouvir. Se a notícia envolve 30 pessoas – 30 pessoas não vou exagerar – mas, às vezes, a notícia envolve Polícia Militar, Polícia Civil, Secretaria de Segurança Pública. Tem que ouvir todo mundo, mesmo que a pessoa tente para a gente colocar no jornal “A reportagem tentou, mas não conseguiu falar com fulano”, a gente tem que tentar ouvir. Isso é obrigatório. Não importa se vai fechar o jornal, não importa a pressão, a gente tem que ouvir todo mundo. E assim, é complicado, porque, às vezes, nenhum jornalista aqui, pelo menos do Correio*, não sei os outros, ninguém cobre uma matéria só, por dia. No mínimo, duas, três. Então, a pressão é muito grande, é uma rotina bem... Você (Jessica Lemos) viu, não é? Que eu marquei com você às 16 h, não consegui, e aí achei que ia chegar às 19 h, de repente, mudou tudo, é bem louco, mas é muito bom também. Eu gosto bastante. Não me vejo fazendo outra coisa.

Teve alguma matéria que você gostou muito de fazer e acabou caindo, por questões políticas, por exemplo?
Para a matéria cair é um instante. Políticas... Questões políticas não me lembro. Pode acontecer, sim. Geralmente a entrevista que a gente mais gosta de fazer, que a gente está se empolgando, acaba caindo (risos). Teve uma, foi até uma época que uma babá sequestrou uma menina. Mandaram eu fazer uma matéria sobre babá, dicas para as mães, aí acha uma babá boa, uma babá má, resenha, conversa e tal. Eu estava amando fazer a matéria. Consegui fontes, consegui foto de criancinha bonitinha. Eu estava finalizando a matéria, o editor virou para mim e falou: - “Olha, esqueça. Caiu sua matéria, porque teve um evento lá não sei onde e vai entrar no lugar.” Poxa, fiquei p da vida (risos). Acho que essa foi a mais marcante, mas isso acontece direto. Às vezes, acontece pior. Você recebe cinco matérias, cinco pautas. Aí, você vai pela ordem que você acha que vai ser mais importante. Aí, por último, fica aquela “umazinha”. Aquela “umazinha” vai ser uma matéria grande e aí, no final de tudo, você tem que se virar para conseguir as informações, para crescer a matéria. Às vezes, você não tem nada e é louco, bem louco.

Como você vê a concorrência entre os jornais baianos? O Correio* e o Massa! por exemplo que custam o mesmo preço.
O Grupo A TARDE tem dois jornais: o A TARDE, o jornal para a classe A-B, o pessoal que estudou mais, que gosta de ler e tal, mais elitizado. E tem o Massa!, que eu acho muito ‘trash’. Eu acho horrível aquele jornal (risos), particularmente, nunca leria aquele jornal. Acho ele feio, acho mal diagramado, acho ele horroroso (risos), enfim, que é para a classe mais povão. Eu acho que o Correio* concorre com os dois, não é concorrente nem só do Massa!, nem só do A TARDE. O Correio*, pelo menos, busca atingir os dois públicos, tanto o povão do Massa!, quanto a elite do A TARDE. E está conseguindo, porque está ganhando. Tem mais de um ano que a gente bate o A TARDE. O Massa! acho que nem está nos índices ainda, porque é novo e tal e é experimental. Não sei como estão os índices dele. Ele é preto e branco, dentro, assim, pelo menos nas edições. Ele é feio de ler, ele não dá vontade de ler. Às vezes, a gente está cobrindo alguma coisa, porque o fotógrafo do A TARDE é o mesmo do Massa!, e aí tem lá um homicídio, um cara no chão sangrando. Aí, tipo, o fotógrafo do Correio* nem tira, porque isso não vai no jornal. Aí, o A TARDE tira, tal. Para o A TARDE, não vai não, mas para o Massa vai essa foto, porque o que é ‘trash’ o Massa dá. Enfim, acho que o Correio* concorrendo bem mais assim. As pessoas podem gostar do A TARDE, podem gostar do Correio*. Se ela não gostar de nenhum dos dois, ela fica com o Massa! Acho que qualquer um ajuda. Acho que tudo é válido. É uma outra forma de jornalismo. Quem sou eu para julgar?

É por causa desses dois públicos que o Correio* busca atingir que ele faz duas capas, uma para o assinante e outra para as bancas?
Não, na verdade, assim. Eu acho que, essa é minha opinião, não sei como é que funciona, mas eu acho que a capa da venda avulsa tem que ser mais impactante, até porque a pessoa tem que ver e se interessar para comprar. O assinante não. Vai chegar na casa dele, qualquer capa que estiver, ele não vai poder escolher, ele vai ler do mesmo jeito. Acho que por isso que tem capas diferentes. Não sei. Sinceramente, nunca perguntei, nunca tive essa curiosidade de perguntar por que tem duas capas, mas é que assim, muitas vezes, as capas são muito parecidas. Raras as vezes que são diferentes, totalmente diferentes. Acho que é por isso, porque a capa de venda avulsa precisa atrair mais a atenção.