quarta-feira, 27 de junho de 2012

“O jornalismo se tornou empresarial, mas ele ainda pode ser um jornalismo combativo independente” | Hieros Vasconcelos

Daniel Oliveira, Pollyanna Couto e Thaís de Jesus


O soteropolitano Hieros Vasconcelos Rego tem 26 anos e formou-se em Jornalismo pela Faculdade Integrada da Bahia (FIB), atual Estácio-FIB. Durante a graduação Hieros estagiou no jornal Tribuna da Bahia e depois na TVE. Posteriormente retornou ao Tribuna da Bahia como repórter, onde trabalhou nas editorias de polícia e local. Em 2009, ano em que concluiu a graduação, passou a trabalhar na editoria Salvador do jornal A Tarde. Trabalhou ainda como freeler para o jornal Extra do Rio de Janeiro e atualmente está na editoria Salvador do A Tarde.


Como foi sua formação acadêmica?
A graduação foi uma experiência muito boa no âmbito da comunicação, porque eu aprendi a comunicação de um modo geral, as teorias me ajudaram a expandir a mente pra não entender só de jornalismo. Depois que conheci o jornalismo prático, eu me desiludi e acredito que todos vocês vão se desiludir, porque você vê que nós fazemos parte de uma empresa. Mas pela comunicação em si, pelo fato de eu aprender a me comunicar, de entender um pouco as pessoas, isso foi muito proveitoso.

Como é sua rotina de repórter do A Tarde?
Eu entro às 8h30 todo dia, teoricamente eu tenho que sair 15h30, porque o turno é de 7hs de trabalho, uma hora de almoço. Na teoria, porque na prática todo mundo sai da redação umas seis, sete horas da noite. Às vezes a gente chega 8h30 e sai 21h.

Você recebe pautas prontas ou tem que elaborar?
Quando chego na redação meu chefe de reportagem fala comigo e me mostra a pauta no sistema.  Todo repórter tem uma pauta. Eu recebo uma pautinha, não recebo uma pauta toda elaborada. Ele (chefe de reportagem) chega no dia e faz uma pauta. Durante o dia a gente vai conversando e vai elaborando a pauta, trazendo novas ideias para a matéria.

O fator tempo interfere na elaboração da sua matéria?
O tempo Influencia. Uma matéria que eu tenho que fazer em um dia, não vai ser a mesma coisa que uma matéria que posso fazer em dois dias. A matéria de dois dias vai ser mais elaborada, eu vou buscar mais fontes, eu vou tentar contrapor mais.  A matéria de um dia pode não ficar tão boa e no dia seguinte eu posso olhar para a matéria e perceber que faltou algo, que poderia ter escrito de uma maneira diferente. Acontece. Ninguém é bom todos os dias. É muita mediocridade você dizer que vai ser bom todos os dias.

Na apuração das matérias que critérios você utiliza para selecionar as fontes ou elas já estão listadas na pauta que você recebe?
Geralmente os chefes de reportagem dão as dicas, mas você tem que ter uma noção com quem você vai conversar. Você tem que buscar fontes que deem credibilidade a sua matéria. Por exemplo, em uma pauta sobre a ilegalidade da greve dos professores estaduais, eu vou conversar com uma pessoa que seja idônea, com um cientista político ou então com um advogado constitucionalista que pode me falar de legalidade e ilegalidade de greve. Eu busco as minhas fontes seguindo as dicas deles (chefes), mas se eu conversar com uma fonte que meu chefe indicou e eu achar que a fonte não supriu eu vou buscar outra fonte. Só isso.

 Você acha que a editoria de Salvador tem um ritmo de trabalho mais acirrado do que as outras editorias do A Tarde?
Com certeza. A equipe de Salvador é a que mais trabalha. O Caderno de Salvador é o caderno chefe do jornal. Então requer mais atenção. A gente precisa saber de tudo o que acontece na cidade para depois de tudo selecionar o que é mais notícia, enquanto que, por exemplo, em Política não. Política já tem uma pauta que vem de ontem, algo que ainda está repercutindo. Então você não vive de fatos que vão acontecer a qualquer momento. O caderno Salvador exige mais tempo de você mesmo na redação. Isso é mais cansativo, por exemplo, às vezes você tem que acordar 5hs da manhã pra ver o que vai acontecer 5h30. Em Política não, você já tem a sua pauta que foi elaborada ontem, você sabe que hoje não vai acontecer uma grande diferença naquele assunto. Então você segue o horário mais a risca. 

Como você define a linha editorial do A Tarde?
Acho que ainda em Salvador o A Tarde é um jornal que tem uma linha editorial mais desagregada da política local. Mas de certa forma, a política editorial do A Tarde está um pouco manipulada pelos empreendimentos imobiliários. Mas em relação à política local, como se vê a política, acho que ela consegue uma idoneidade. Eu gosto da linha editorial do A Tarde porque tem uma linha de opinião mesmo social, uma linha de opinião ambiental, mas ainda está presa a algumas questões de empresa mesmo, de interesses empresariais. Mas eu acho que é uma linha editorial que ainda tem um cunho de serviço social muito bom aqui na Bahia, em Salvador.

Como você lida com a política editorial do jornal?
Querendo ou não eu sei que estou em uma empresa. Aquela visão de jornalismo romântico de que vou escrever do jeito que eu quero para o público, existe dentro de mim como pessoa. Mas eu sei que por estar dentro de uma empresa, uma hora ou outra, eu vou ter que impor limites e saber lidar com essa questão, vou ter que mediar.

Alguma vez você já teve que fazer alterações no seu texto por causa da linha editorial da empresa?
Já aconteceu, mas não de uma forma tão escancarada como aconteceu com meu colega Aguirre Peixoto, que foi demitido. Já chegaram para mim e disseram “Hieros você sabe que aqui no jornal a gente não pode falar mal disso, vamos colocar isso no intertítulo, vamos tirar isso do lead, vamos descer pro sublead,” e eu faço um tipo de mediação “tá vamos descer pro sublead”. Mas censura não.

No seu caso também foi em função das empresas imobiliárias que patrocinam o A Tarde?
Eu juro que não lembro. Mas foi algo relacionado com os empreendimentos imobiliários. Alguém que era um dos grandes patrocinadores e que tinha boas páginas de publicidade no jornal.

Qual é o público-alvo do A Tarde?
Por enquanto o A Tarde está meio sem público-alvo. Mas a maioria dos leitores, eu acredito, que seja de 40 anos pra cima, pessoas de classe média e também alta. Antes da crise que o jornal passa atualmente o público era das classes A, B e se duvidar até C. Isso antes do Massa e do Correio*. Hoje em dia ele precisa escolher um público alvo pra se manter empresarialmente no mercado, se firmar novamente.

 Qual é o principal concorrente do A Tarde?
Depende do tipo de concorrência que estamos falando. Em concorrência comercial o Correio* realmente ganha porque custa R$ 0,50, vende mais, a leitura é mais rápida, mas digamos que de concorrente que vá mexer, causar na política local, ainda é o A Tarde. Por exemplo, na Assembleia Legislativa, nas Câmaras dos Vereadores ou fora da Bahia, quando se pensa em política se pensa em A Tarde. Então eu acho que nessa concorrência do leitor, uma concorrência que não é comercial, de influência na capital, o A Tarde é mais influente. Mas comercial o Correio* vende muito mais, porque atinge um público que quer ler, que quer passar o tempo e tem um preço mais acessível. Nessa concorrência empresarial o Correio*está na frente mesmo.

Você falou que o Correio* atinge um público que quer ler, passar o tempo. Então o Correio* é um jornal mais voltado para o entretenimento?
Também. Ele tem um cunho social, que é perceptível, mas é voltado para o entretenimento por essa leitura menos aprofundada nos assuntos.

Você diria então que o Correio* é um jornal popular?
É um jornal popular, mas não é um jornal popularesco como o Massa. O Massa já tem um cunho muito mais popularesco, digamos assim. Ele quer o leitor pelo sensacionalismo de fato. Embora tenha um cunho social também. Se você folhear o jornal, você vai ver que tem página de serviços, tem espaços para desempregados, para procurar emprego, tem espaço que faz um trabalho comunitário bacana. Mas as manchetes são para atrair o leitor pelo sensacionalismo, pela sensação. Como por exemplo, hoje a manchete foi “Vovô tarado transa com animal”. Isso vai atrair a leitura desse leitor, desse público que ele procura. 

Qual sua opinião sobre o Tribuna da Bahia?
O Tribuna da Bahia, como vocês sabem, é um jornal que vive na linha bamba. Um jornal que não tem dinheiro nenhum e é patrocinado. É de dois sócios que não tem o menor interesse de transformar o jornal em um veículo de comunicação de verdade, com suporte técnico para repórter e etc. Eles querem levar aquele tradicionalismo do Tribuna da Bahia.

Quando você escreve a matéria para o A Tarde você pensa no interesse público ou no interesse do público?
Eu penso no interesse do público partindo do meu ponto de vista. Eu tento me enxergar como público. Eu me coloco sempre no lugar do público para escrever.

Essa questão de você se colocar no lugar do público é uma interpretação sua ou uma orientação do jornal?
É interpretação minha como jornalista. Quando eu fiz jornalismo tinha uma ideologia, eu achava que com o jornalismo a gente podia mudar o mundo, mostrar o buraco, mostrar que a prefeitura não faz nada na cidade. Se eu for cobrir um evento que o público está reclamando e a fonte oficial fala que não é nada disso, eu vou ouvir a fonte oficial, mas eu sou público e sei que a fonte oficial não está falando a verdade. Então quando eu falo da visão do público, é nesse sentido de me colocar no lugar do público mesmo. Por isso que eu acho que presto um serviço público. Eu acho que escrevo para o público e não para o ideal do jornal. Claro que os jornais sempre tentam interferir. Mas o A Tarde tem essa independência política, tem esse respeito. Ele não está preso a políticos como o Correio*, que é de ACM Neto. Se vocês folhearem o Correio* nesses últimos dias, vocês irão ver que cada dia tem uma matéria “ACM Neto e sua vice não sei aonde”. Já o A Tarde não faz campanha política para ninguém, ele está preso a empreendimentos imobiliários. Não tem nenhum político envolvido dentro do jornal A Tarde.

Qual é a sua concepção de valores-notícia?
Eu sou um jornalista muito intuitivo. E como já falei, eu me coloco sempre no lugar do público. Se eu recebo duas pautas, por exemplo, uma é “O Ministério Público pede anulação do aumento da tarifa de ônibus” e a outra pauta é “Meningite mata mais na Bahia do que em qualquer outro estado no Brasil”, eu dou mais valor a primeira. Porque me afeta mais do que a meningite. Essa é uma questão muito intuitiva. Eu jamais pegaria uma matéria sensacionalista como “Homem morre com 10 facadas e penduraram a cabeça dele no poste” e daria um valor se tivesse a matéria da anulação da greve. É uma questão de ética mesmo, aquilo tudo que a gente aprende na faculdade. Mas claro que quando você entra em uma empresa você muda um pouquinho. 

Você é repórter do A Tarde mais seus textos também são publicados no Massa. Como por exemplo, a matéria da saída de 210 mil pessoas de Salvador no São João, em que seu texto também saiu no Massa, só que com algumas alterações. Isso te incomoda?
Até então nunca aconteceu uma modificação drástica que me desagradasse, como mudar para uma palavra vulgar que eu não escrevi no meu texto, isso não aconteceu, ainda não. Isso acontece nos títulos, mas nos textos não me lembro de ter acontecido. Nunca enxerguei como eu fazendo sensacionalismo porque a minha matéria está no Massa. Porque eu acho que o que escrevi para o A Tarde foi para o Massa com o mesmo cunho social que eu quis dar.

Quando você escreve a matéria para o A Tarde você sabe que ela também vai entrar no Massa?
Às vezes sim. Eu escrevo para o A Tarde e o editor do Massa edita. Ele puxa no sistema, modifica o título, para não ficar igual ao do A Tarde, coloca a matéria e assina o meu nome. Mas o Massa tem seus repórteres específicos. Assim como acontece de repórter do Massa fazer matéria para o A Tarde. O Massa é uma adaptação, é muita edição pra ser do jeito que é.

Como o público-alvo do A Tarde e do Massa são de classes sociais bem diferentes publicar um “mesmo” texto nesses dois veículos não gera uma espécie de conflito?
Não. Porque tem assuntos que são do interesse de todas as classes. Por exemplo, essa matéria do Ferry Boat: quem tem dinheiro, uma casa caríssima na Ilha, vai ter interesse de ler no A Tarde o melhor horário para sair é tal. E quem vai pra ilha de qualquer jeito vai querer saber quais os melhores horários, quantas pessoas vão. Essas questões de Mobilidade urbana, transporte, horários são do interesse de todas as classes. Seria conflituoso, por exemplo, se um crime horroroso do Massa saísse no A Tarde. Porque o público do A Tarde não quer mais ler sobre crime, prova disso é que não há editoria policial no A Tarde. De vez em quando sai uma notícia de polícia, mas não tem uma editoria policial. Você não vê mais “Fulaninho morreu assassinado com 10 tiros”. A não ser que seja um caso do tipo do diretor da Yoki, que repercutiu no Brasil inteiro. Aí não seria conflituoso, seria contraditório. Agora em relação à matéria de viagens, de número de passageiros, hora melhor de viajar, sair no A Tarde e no Massa eu acho que todos se interessam por isso. Talvez nesse período de São João quem vai viajar vai na sua Toyota ou na sua Brasília e todos provavelmente vão pegar a fila do Ferry Boat ou vão pegar a estrada.

Você recebe algum tipo de comissão por ter matérias publicadas no Massa?
Não, porque é um grupo. Eu trabalho no Grupo A Tarde. O Grupo A Tarde tem o Jornal Massa, o Jornal A Tarde, a Revista Muito, a Rádio A Tarde. Então é uma empresa só, com vários produtos. Você não está trabalhando para um produto. Você trabalha para uma empresa que tem vários produtos. Não importa em qual veículo saia a matéria. Porque o veículo é um produto da empresa e eu sou funcionário da empresa. Por um lado tem muita gente que acha que deveria cobrar, porque você está assinando duas vezes em dois veículos diferentes. Mas o jornalismo hoje é empresarial, querendo ou não sempre vai ser uma empresa, não é um blog independente. Quando eu falo que jornalismo é empresa eu estou sendo generalista demais. Infelizmente o jornalismo se tornou empresarial, mas ele ainda pode ser um jornalismo combativo independente. Mas aí você tem que arranjar outra forma de sobreviver.

Você acredita que o jornal A Tarde precisa passar por uma reformulação?
Com certeza. O A Tarde é uma empresa que tem 100 anos e nesse período ela é comandada pelos próprios donos, a família Simões. E a gente sabe que no mercado atual nenhuma empresa – do ponto de vista empresarial – sobrevive comandada pelos próprios donos. Existe toda uma questão familiar, de estrutura, enfim, ele precisa de uma reformulação empresarial, e talvez editorial para saber quem é o público-alvo, quem ele quer atingir, que tipo de serviço ele vai prestar parra a sociedade. Ele precisa de uma reformulação sim.

Essa reformulação já está prevista?
Acho que já está acontecendo, de certa forma, bem aos pouquinhos, mas já está acontecendo. Se você pegar uma manchete do A Tarde, por exemplo, de quatro meses atrás e analisar com a manchete de hoje, você vai ver que ela já está diferente. O jornal está voltando a ser mais combativo, mostrando os serviços sociais, sem ser sensacionalista, sem mostrar sangue, sem nada, mas está tendo uma mudança. 

A redução do número de páginas do jornal é reflexo dessa crise?
É reflexo da crise. Quanto mais dinheiro você tem para circular no jornal, mas páginas você tem, mais anúncios você vai ter. Mas como ele está nessa crise, tem muita gente que não está querendo anunciar. Está anunciando no Correio* porque ele está vendendo mais. Então em matéria de anúncio o Correio* é melhor. Anúncio reduz página, a verdade é essa. Hoje em dia jornalismo não existe sem publicidade.

Já aconteceu de uma matéria sua perder espaço por causa de uma publicidade nova? Qual a sua sensação quando isso acontece?
Isso acontece muito. Vou falar agora como um mero empregadinho. Eu sou um jornalista, sou um formador de opinião, tenho a minha intuição, mas às vezes tem uma matéria que eu acho que não tem finalidade nenhuma e aí surge um anúncio que cortou metade da minha matéria, eu digo “graças a Deus”. Tem vezes que eu quero muito escrever sobre determinado assunto aí eu me irrito. Depende. Eu tenho tanto para escrever. É muito relativo. Tem horas que você vai ficar muito irritado porque a publicidade vai tomar o seu espaço. Mas aí você fala “então tá...é isso que paga meu salário né?”.


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