quarta-feira, 6 de julho de 2011

Linda Bezerra: "A minha grande afeição pelo jornalismo é a arte de contar histórias. É fabulosa essa possibilidade. "

Por Juliana Alves e Luana Amaral



A Chefe de Reportagem do Correio, Linda Bezerra, nasceu no interior do Piauí, em uma cidadezinha onde só havia 15 casas, o ensino ia até a quarta série, e a única profissão que parecia existir para ela era a de professora. Quando se mudou para Salvador, Linda trabalhava durante o dia e estudava à noite. Foi assim que ela passou no vestibular do Curso de Jornalismo da UFBA e descobriu sua paixão pela profissão. O sonho de ser cineasta permaneceu como um projeto futuro, mas não esquecido, porque, segundo Linda, no jornalismo ela faz aquilo que mais gosta: “contar histórias”. Linda bezerra já foi pauteira nacional do jornal da Band, e trabalha há 15 anos no Correio. Em entrevista Linda comenta sobre a mudança da linha política do jornal, as acusações de que o Correio não aprofunda temas e defende o new journalism.


Queríamos que você falasse um pouco da sua careira

Eu fiz jornalismo porque eu queria ser cineasta. Queria, não. Quero. Então, a única faculdade que tinha disciplinas que estudavam cinema era a UFBA, na época. Isso em um primeiro momento. Depois imediatamente me apaixonei por jornalismo. Adoro estar no meio do burburinho, e onde tem ação tem jornalismo, tem pessoas investigando, contando histórias.Hoje eu posso dizer que a minha grande afeição pelo jornalismo é a arte de contar histórias. É fabulosa essa possibilidade. Entrar na vida das pessoas, não como bisbilhoteira, mas participando um pouco das coisas mais intimas, das historias, das emoções, das vitorias, dos fracassos, das tristezas, das alegrias. Enfim, como síntese, o ser humano me interessa.

Entrei no correio e um mês depois na Band, como apuradora. Na Band eu me transformei imediatamente em pauteira, que a meu ver, é minha grande vocação no jornalismo. Pautar é descobrir as histórias pra contar. Na pauta você tem toda essa possibilidade, sem falar que você entra em contato com uma coisa mais administrativa do jornalismo, que é algo que as pessoas não gostam de fazer. Fui me transformando, a princípio, na pauteira nacional da TV Band. Pautei durante nove anos, ou seis, não lembro bem, a Bahia. É um trabalho árduo pautar o nacional. Você tem que juntar um assunto que é de interesse nacional, mas com um olhar local. Também fui editora chefe no jornal local e às vezes do nacional. Essa foi minha carreira na Band.Aqui no correio comecei como apuradora, e passei para a produção. Eu pautava um pouco, mas principalmente produzia as pautas que surgiam. Ou seja, eu buscava as melhores fontes, os melhores focos, enfim, eu cuidava pra pauta sair. Era uma função que tinha no jornal impresso, hoje não tem mais, mas na TV isso é absolutamente fundamental por conta do timing do repórter. Daí passei para a chefia de reportagem.


É o que você faz agora...

É. Hoje tem o nome de editora de abertura. Depois daí fui coordenadora do caderno “Correio Repórter” durante anos, um caderno que se diferenciou porque contava histórias.


Ainda naquele formato antigo?

Isso. A partir de 2008, quando o jornal muda, eu passo a editora, que é o nome que eles dão, mas continuo, na verdade, fazendo pauta. Eu faço pauta em BaSal (Bahia/Salvador)


Você pode falar sobre sua função de pauteira no jornal?

O que me inspira a fazer pauta? Tudo. Eu já fiz pauta sonhando. É uma vocação, caso contrário seria um fardo. Eu acordo pensando em pauta, mas eu gosto. Eu já saio com o olho aberto pra coisa. Qualquer coisa me inspira uma pauta, dentro do meu foco nesse momento, que é a cidade. Qualquer coisa, qualquer situação pode me inspirar. O que eu não gosto muito é de release. Se for release eu olho, olho. Se tiver noticia eu boto, noticia é noticia não se discute. Release que chega com noticia eu dou a maior atenção. Release que chega com sugestão de pauta para vender seu assessorado eu penso dez vezes.


Como é sua rotina no jornal?

Eu chego aqui todo dia muito cedo, entre seis, seis e meia, no máximo sete. Antes, em casa, eu já leio o jornal. Chego aqui, leio os outros jornais, abro meus 2000 e-mails que recebo diariamente, atendo todos os telefonemas, vejo televisão, entro em sites nacionais. Enfim, assisto a tudo que eu posso. Às 10 horas tem uma reunião com a cúpula, formada pelo editor chefe, editor de abertura, por mim, que represento o BaSal, pela pessoa que representa Economia, a editoria Vida*, que é de cultura, e a de esporte. Nessa reunião a gente discute o que o jornal vai dar, define capa, define A3, que é o “filé” do jornal. Define abertura do mais, as outras três matérias do mais, define vida, define o esporte, define tudo. O Vida*, como é um caderno mais frio, geralmente já está pronto. Mas é possível mudar ou acrescentar coisas. No dia que Liz Taylor morreu, por exemplo, a matéria que estava produzida caiu e deu espaço a uma matéria sobre ela. Então, nessa reunião, é produzido e enviado um relatório para os editores. A parte da manhã produz o jornal, escolhe os temas, põe a equipe na rua. A parte da tarde, que chega a partir das 15 horas, vai, digamos assim, dar molde a esse jornal, escolher os melhores títulos, escolher as melhores fotos. Às 17 horas tem uma reunião para saber o que realmente colou, o que não deu, o que bombou no dia. A abertura do jornal já está definida desde cedo e dificilmente muda, mas mudou, por exemplo, no dia em que Palocci caiu. Foi às 8 horas da noite e obviamente já estava pronto o panegírico, que é como a gente chama. Vocês conhecem a estrutura do jornal, não é? A 3 é uma espécie de horário nobre no jornal.Na 4 a gente concentra assuntos da cidade, quando a bandidagem não resolve tomar conta de tudo.Na 6 concentramos normalmente assuntos sobre segurança. Também vou vendo quais dos assuntos da minha editoria são mais importantes para eu oferecer pro Mais*.


No Mais* os assuntos serão aprofundados...

Isso. Quando eu escolho o assunto eu tenho que pensar o foco, porque os fatos são iguais pra todo mundo. Vou dar um exemplo: buracos na cidade. Toda chuva a gente cobre isso, não tem como não cobrir. Porque é uma coisa que desagrada as pessoas, diz respeito a todo mundo. O meu objetivo como notícia continua o mesmo, o que eu tento diferenciar é como eu conto essa notícia. Porque a notícia está na internet desde cedo. O desafio do jornal é disputar leitura. Como eu vou contar essa história? O “como” é muito mais importante para mim do que o “que”. O “que” é importante, mas eu foco no “como”. Como eu vou contar a história. Então vou contar um exemplo bobo, mas que deu muita leitura: buracos na cidade. Tem muito buraco, muita ligação. Eu pensei: podia fazer aniversário de buraco, e aí a gente botou “Buracos em festa”, porque na verdade os buracos fazem aniversário em Salvador. Tinha um de três meses, tinha um de seis. É só você procurar que encontra cada história sensacional pra contar.Outra coisa: não pode brigar contra o leitor. O que é que o leitor quer ler nesse jornal? Todos os dias eu penso nisso. O jornalista às vezes não se vê como leitor, se vê como gerador de notícias. Não pode brigar com o leitor. Isso é uma grande burrice que a gente comete, empáfia de jornalista que enche a boca e se esquece do leitor. Esse dever de casa eu faço todo dia quando eu penso em uma notícia .


Qual a classe social que prioritariamente lê o Correio*?

Existe um núcleo de pessoas que ouve os leitores. A gente traça o perfil do leitor do Correio*, o leitor do domingo, da segunda, da terça, da quarta... A classe média hoje faz tudo mais do que qualquer outra. Primeiro, porque a classe média cresceu. Mas o Correio* está bem equilibrado. A classe C lê mais, mas tem uma parcela grande na classe A. A última vez em que vi esses dados a gente tinha 45% de classe A, o que me deixou até surpresa. Parece também que os homens lêem mais. Mas não lembro se os números ainda são os mesmos.


Você trabalha há algum tempo no Correio e acompanhou a mudança em relação à linha política do jornal, que era estreitamente ligada aos interesses de ACM. Como foi essa mudança?

Foi árdua, uma mudança muito dura. Mas foi desafiador e uma das melhores coisas que já vivi na minha carreira de jornalista. Primeiro, o desafio foi pessoal, você está enferrujado, totalmente enquadrado em um modelo que era antigo. Porque, de fato, O Correio hoje faz um jornalismo diferente. Eu, pessoalmente, acho o jornal sensacional do ponto de vista gráfico. Ele é realmente interessante, porque, primeiro, ele dá as notícias que estão na internet e que interessam às pessoas no tamanho que elas precisam. As pessoas lêem rápido, se informam, se atualizam logo cedo, e se aprofundam nos assuntos que o jornal escolheu como os mais importantes. Foi o jornal que escolheu? Foi. Ok. Cabe ao leitor continuar nesse jornal ou não. O leitor termina por fazer a escolha dele. A princípio a gente foi muito criticado por não aprofundar os assuntos. Balela. Você pode não aprofundar todos os assuntos, mas os assuntos escolhidos para se aprofundar são aprofundados. Essa questão do aprofundamento já caiu por terra. Inclusive, os concorrentes já não falam mais isso. Eu li uma notícia no “24 h” nosso, e li a notícia em outros jornais.A gente tinha tudo que eles tinham. Tudo, absolutamente tudo, como notícia. O correio era de fato um jornal que não tinha lucro, era um jornal a serviço de ACM. Como qualquer jornal do país é a serviço do seu dono. Não sejamos ingênuos quanto a isso.Ou há interesse político ou há interesse comercial.Agora o jornal tem interesses comerciais e políticos, porque o dono é um político. Somos uma empresa, como também é A Folha de São Paulo, como é O Globo, o A Tarde, como são os jornais. Sabe qual foi a grande mudança em minha opinião? Hoje o jornal dá todas as versões de um fato. Quando a gente noticia política, a gente dá a versão de ACM Júnior, a versão de Wagner, a versão de não-sei-quem. E aí pronto, é um jornal plural, como todos devem ser. O jornalismo pra mim é isso: você contar os fatos de todas as formas que você puder contar. O Correio deu uma manchete histórica pra mim, que foi: “Wagner ultrapassa nas pesquisas para Governo do Estado.” O Correio nunca havia noticiado isso. Quando vi aquela manchete eu pensei: o jornal mudou. É de interesse dos donos desse jornal mostrar a política da cidade. Eles são empresários, são políticos, mas não interferem no jornal impondo nada. Não sou ingênua de dizer que o jornal vai publicar uma matéria contra os interesses das empresas do grupo. Não vou fazer apologia à mentira. Eu nunca recebi nenhuma orientação para não dar determinada matéria. Tem matérias que eu sei que eu não vou dar, por exemplo, uma passeata contra ACM. Não vou dar porque eu tenho bom senso.Já cansei de dar coisas que entram em conflito com a empresa, aí eu dei também o lado da empresa, e pronto, resolveu o problema. Há um bom senso, eu tenho um cargo de confiança, mas não chega para mim uma tábua escrita”dê isso, dê aquilo”.



Quais são os critérios de noticiabilidade do Correio?

O leitor é o meu critério de noticiabilidade. Todo o critério clássico é levado em conta. Existem os assuntos relevantes e os assuntos interessantes. Quando você pode juntar o relevante e o interessante é perfeito. Eu dou atenção aos dois. Amo trabalhar com assuntos interessantes. Por exemplo: “Caiu na rede ninguém segura.” Essa matéria é interessantíssima, mas também é relevante, porque as pessoas devem ter cuidado com seus arquivos pessoais no trabalho.Essa matéria é sobre uma rapaz do Ingá, cuja pasta pessoal de pornografia, de transa com a namorada, de tudo que você possa imaginar, foi parar no site do Ingá.É interessante isso? É. Mas qual a relevância disso? Você tem que alertar as pessoas de que elas precisam tomar cuidado.Por que eu não daria a notícia? Por que tem pornografia? Não vou deixar de dar mesmo. Foi uma das matérias mais lidas do jornal. O critério de noticiabilidade é o que interessa ao leitor.

Um exemplo de “matéria interessante” é aquela do Bruno Surfistinha, não é?

Você gostou de ler aquela matéria?


Gostei. É interessante porque é a história de um homem que se prostitui, se dá bem, tem um blog e uma namorada (!).

E uma mãe que não sabe de nada! É a história do ser humano, querida. Isso é o ser humano, e é isso que eu gosto de contar. Quando essas histórias chegam eu pipoco de alegria. Como não contar uma história dessas? Vale ressaltar que a gente só consegue fazer esse tipo de matéria porque todas as loucuras que eu entrego como pauta Sérgio (o Editor Chefe) normalmente compra. Na minha opinião isso faz a diferença no jornalismo.Não sei se eu conseguiria fazer isso em outro jornal.


Na matéria sobre a prova de natação que o prefeito João Henrique participou tem um trecho que diz: “João parecia pensar que cada braçada era um problema da cidade. Cada bóia contornada era como se livrar das críticas à Orla, à obra do metrô ou à Estação da Lapa.” Isso é uma construção literária...

Você já deve ter lido sobre o new journalism. Eu sou completamente favorável a esse movimento. Agora, no dia a dia não dá pra fazer literatura. É só a técnica da literatura que você usa. Porque no jornalismo tem fatos que você tem que levar em conta.Como contar a história é que me interessa.Eu vou dizer uma coisa a você: essa matéria está completamente dentro dos fatos. Aconteceu um fato, João Henrique foi nadar. “Prefeito que nada” é perfeito, porque realmente, ele não está fazendo nada. E ele dá de bandeja essas coisas pra gente. O que acontece: você coloca um jornalista com um texto criativo. Aí, há uma construção que quase apropria de um modo de contar história na literatura, mas é totalmente dentro do contexto, porque a cidade realmente está acabada. Enfim, você não ta fugindo disso. É esse jornalismo que eu quero fazer. Eu não quero fazer literatura. Eu quero fazer um jornalismo que possa contar uma história razoavelmente criativa, com técnicas menos diretas, menos objetivas. E a gente tem toda essa chance, porque a gente tem a página 3, na qual a gente pode fazer isso. O Correio, na verdade, sempre teve esse jeito de contar. Se você ler o Correio antigo, o “Aqui Salvador”, que era a editoria de cidade, sempre foi mais ou menos assim. O que é uma novidade nesse jornal é a linha editorial.O editor novo ama esse tipo de jornal, então a gente meio que se espalha por conta dele. No outro jornal nós só nos espalhávamos na editoria de cidade. O outro jornal, como um todo, não refletia isso. Mas o outro editor, Demóstenes Teixeira, deixava a gente fazer isso em “Cidade” porque se cuidava mais da política.


O Correio* explora recursos visuais, utiliza muitas fotos e cores. Algumas vezes as fotos ocupam mais espaço que o texto .O público do Correio dá preferência às imagens do que ao texto?

Outra coisa que esse jornal me ensinou e eu tive que me desenquadrar: as fotos contam tanto quanto os textos. Então não justifica você não dar fotos. As pessoas às vezes dizem: “Ah, tem pouco texto”. Leiam as fotos. A gente não tem cultura de ler as fotos. As fotos trazem informações sensacionais. A matéria do “Buraco em festa” não existe sem as fotos. Há várias narrativas para contar uma história: ping pong, perguntinhas rápidas, radar com números. De quantas formas eu posso contar essa história? Às vezes só com fotos, às vezes só com gráficos, às vezes só com textos e números.


A mudança no formato do jornal, o preço e o uso de uma linguagem mais informal tiveram como objetivo tornar o Correio um jornal popular?

O grande objetivo da comunicação deve ser o de abarcar a todos igualmente. O jornal nacional, para mim, é o maior exemplo disso. Quase todos os seres humanos entendem o que o jornal diz. Há neste jornal a preocupação de comunicar a todos, com uma linguagem acessível a todos. Existe uma leitura diária do jornal por uma pessoa que manda um relatório do jornal inteiro, criticando e elogiando os acertos. É uma espécie de Ombudsman interno. E quando tem uma palavra sem tradução isso é reclamado. Quando tem um estrangeirismo no Vida*, quando tem palavras muito específicas do esporte, ou quando é algo não entendido pelo baiano. A gente tem essa preocupação sim. Mas essa é uma preocupação que deveria ser da comunicação. Porque se tem leitores que vão da classe A à D, você tem que se preocupar com isso. Se no projeto inicial havia essa preocupação eu não posso te responder.O editor chefe, Sérgio Costa, tem essa preocupação, e eu também.


Acontece de faltar notícia?Em um dia pouco noticioso, o que vocês fazem para não sobrar espaço no jornal?

Acontece. É uma agonia, porque um dos meus papéis é também tornar esse jornal factual.Conto histórias, mas eu preciso de algum modo dizer porque elas estão acontecendo nessa cidade.Eu não posso contar essa história do nada, preciso de ganchos factuais para contar essa história.Eu não tiro da cartola.O Bruno Surfistinha tinha o gancho da Bruna Surfistinha, do filme e tal.É uma matéria mais fria, e se você observar, esse tipo de matéria sai no Domingo , na segunda, quando são dias mortos.Mas de segunda à sexta tenho que procurar assuntos que tenham a ver com o dia a dia das pessoas. Existem os assuntos factuais dos dias que estão acontecendo, existem os assuntos que não estão necessariamente na ordem do dia, mas dizem respeito à gente. O grande barato, também, é você pegar um assunto que não está na ordem do dia e trazer ele para a ordem do dia.


Quando tem mais notícia que espaço disponível, como funciona o corte de determinada informação?

Pra mim é a pior coisa. Quem tem que cortar isso é o editor. Para mim é desesperador. Meu trabalho é pautar. Eu não seria jamais editora de fechamento, porque já sofro pra escolher, imagina pra excluir.


Por que algumas capas do assinante são diferentes daquelas vendidas nas bancas?

É porque o do assinante já está vendido, e o da banca ainda tem que vender.Na banca a gente coloca normalmente o que a gente considera mais interessante, para o assinante o que é mais relevante.É uma estratégia de mercado que funciona muito bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário