Lara Perl e Tiago Nascimento
Euzeni Daltro tem apenas um ano de formada, mas já passou como estagiária por diversas editorias do jornal A Tarde, se estabelecendo na parte de Serviços, por um tempo. Quando abriu a seleção para o Massa! ela participou, e logo começou a formação, paralelamente ao estágio. Hoje ela escreve para o Massa! nas editoria de Cidade e Economia e fala sobre as diferenças entre as rotinas produtivas e os critérios de noticiabilidade dos dois veículos.
1. Como é o processo de seleção da notícia no jornal? Você já recebe uma pauta pronta?
Geralmente sim. Mas também tem muitas coisas que os repórteres vêm nas ruas e a gente tem reunião de pauta toda terça-feira, para sugerir. Eu escrevo para Cidade e Economia (popular), que é a mesma editora também. Em Cidade a gente acaba aproveitando conteúdo do A Tarde. O que acontece muitas vezes é que a gente adequar esse conteúdo. A Tarde usa uma linguagem e o Massa! coloca outra; o Massa! usa muito Fala Povo!, então às vezes eles fazem uma matéria só com um personagem e eu vou pra rua atrás de outros personagens. Mas também tem conteúdos exclusivos do Massa!.
2. Falando de valores-notícia, quais são as prioridades dessa seleção?
É tudo muito automático, eu não penso naquela listinha de critérios de noticiabilidade. A gente usa conteúdos do A Tarde, mas o foco do Massa! são conteúdos específicos voltados para o seu público, que é de bairros populares. Por exemplo, eu fiz uma matéria sobre os moradores do Bairro de Fátima, que foram prejudicados nas chuvas do ano passado e até então ainda não tinham recebido aquele benefício que a Setad concede para quem tem prejuízos. Não entrou no A Tarde, mas entrou tranquilamente no Massa! porque era um problema que estava ali entre os moradores. Falando em termos de critérios, o principal seria a proximidade com os leitores do Massa!, que é o povo de bairros populares.
3. Então você tem um público alvo e escreve para ele?
Sim, no Massa! tudo é feito e pensado para esse público.
4. E qual seria o público do A Tarde?
O público do A Tarde é Classe A, quem mora na Pituba não sofre com a chuva. Claro que o A Tarde traz conteúdos relacionados a isso até porque é muito importante, mas o público é totalmente diferente.
No A Tarde eles também consideram o público, tanto é que essa matéria da chuva não entrou. Eu acho que entraria no A Tarde, pois envolve muita gente, órgão da prefeitura, mas não entrou. Outro exemplo: se o A Tarde traz uma matéria sobre o problema de iluminação da Pituba, nunca entraria no Massa! porque o leitor no Massa! não mora na Pituba, não se identificaria com isso e não é um problema que atinge o público do Massa!. O Massa! é feito para moradores dos bairros periféricos e populares. Mas aí você poderia me perguntar sobre aquela matéria que eu fiz falando de um casarão que estava prestes a cair na Av. Vasco da Gama. Nesse caso o critério foi outro. Geralmente você vê casa de pobre caindo, casarão de rico caindo ninguém vê. Então essa matéria entrou como inusitado. E isso também atrai o leitor, ele gosta dessa coisa. É curioso para o leitor do Massa! que está acostumado a ver a casa do vizinho cair, ver a casa do barão cair.
5. Voce acredita então que os critérios do Massa! são diferentes dos outros jornais de Salvador por causa da diferença de publico?
São, se você considerar que o Correio* não se decidiu ainda se ele é popular ou não. Então ele acaba atuando nas duas frentes. Se tem uma super-matéria na Pituba, ele dá, em Plataforma, ele também dá. Se você considerar que o Correio* ainda não decidiu exatamente o que ele é, o Massa! tem esse diferencial.
6. Você lê a matéria do concorrente? Qual jornal você considera que concorre com o Massa?
Tem que ler, né! Na Bahia não existia jornalismo popular. Então o Massa! vem pra poder ganhar esse campo, partindo dessa ideia de que o Correio* não decide o que ele é, de fato. Mas o concorrente mais próximo seria o Correio* mesmo.
7. Discutimos muito em sala a diferença entre interesse público e interesse do público. Como você vê essa diferença?
O Massa! visa pelo interesse do público, da audiência. Quando houve o tsunami surgiu o boato de que a praia do Rio Vermelho tinha aumentado um metro, chegou aqui na redação essa conversa. Para o A Tarde não serve, mas para o Massa! serve porque era o povo que estava conversando. Puxar por esse boato foi a forma com que o Massa! encontrou de explicar ao leitor que as chances de acontecer um tsunami no Brasil eram mínimas.
8. Se você pudesse definir a linha editorial do Massa! em poucas palavras, qual seria?
É como eu falei a principio, tudo parte do que está próximo ao leitor e para atender a esse leitor. Em Cajazeiras tinham umas vaquinhas e o pessoal está respeitando. Sai no Massa! porque é curioso pra eles. Não sairia no A Tarde.
9. Então você acredita que essa diferença de público também muda os critérios de noticiabilidade?
Sim, sem dúvidas. A diferença do público é o que determina os critérios de noticiabilidade. Claro que existem os critérios que são do jornalismo como um todo, mas aí isso vai sendo adequado de acordo com o jornal e com o público.
10. Você acredita que exista uma instituição jornalística, acima das organizações jornalísticas? O Massa! como jornalismo popular se inclui nessa instituição?
Sim, sem dúvidas se inclui. Ele não deixa de fazer parte da instituição por ter um público diferente. A questão é que ele faz parte da instituição para atender a um público que até então não vinha sendo atendido.
11. A rotina produtiva do Massa é diferente do jornal A Tarde?
O bicho pega no Massa!. Hoje mesmo eu começo 10h00 e não tenho hora para sair. Ontem eu saí às 23h00. Tem até um fotógrafo - Wander Casais - que brinca falando que é o primeiro fotógrafo do Massa!. E eu brinco que sou a primeira faz-tudo. Porque eu faço Cidade e Economia, mais economia pelo fato de Cidade aproveitar conteúdos do A Tarde. Se já tem economia ou faço alguma coisa para o outro dia, alguma matéria fria. Mas às vezes eu estou na rua e o pessoal me liga para eu fazer alguma outra coisa. Acabo fazendo muitas coisas, inclusive fotografia (até para a capa eu já fotografei!) e fico no site também. No A Tarde é mais dividido. Os repórteres chegam, recebem uma pauta e dificilmente vão ser deslocados pra fazer uma coisa diferente naquele dia. Já no Massa! não tem isso, quando o bicho começa a pegar e a gente sabe que o A Tarde não vai tratar um assunto de modo que interesse o leitor do Massa!, naquele momento os editores pesam. Decidem se alguma matéria pode ser deixada para outro dia, se não pode a gente tenta fazer os dois. Em vários momentos eu tive que me desdobrar para fazer duas matérias que precisavam sair no dia seguinte.
12. Quantas pessoas compõem a equipe do Massa! ?
Seis repórteres, quatro estagiários, seis editores e uma editora adjunta.
13. O que é considerado utilidade pública para Massa!?
Em todas as matérias a gente procura sempre dar um serviço. Por exemplo, se tem algum bairro em que os moradores estão reclamando de buracos nas ruas a gente faz um box com o número do telefone do órgão responsável, horário de atendimento, qual o procedimento que se deve fazer, esse tipo de coisa. Inscrições de vestibular, concursos, emprego também.
14. Então existem serviços que saem no Massa! que também saem no A Tarde?
Sim, Serviço inclusive eu diria que é o conteúdo do A Tarde mais utilizado pelo Massa!. Inscrições para o Bolsa Família, inscrições do ENEM e do vestibular, mutirões que os órgãos fazem nos bairros são conteúdos do A Tarde que o Massa! acaba aproveitando. E Polícia é o que o A Tarde mais utiliza do Massa! porque a cobertura deles não é tão forte, eles priorizam outras coisas. E como é forte no Massa! eles acabam utilizando muito material de Polícia.
15. E a construção da notícia muda?
Sim, acontece muito de o repórter escrever um texto para o Massa! e outro para o A Tarde. O mesmo conteúdo, mas linguagens diferentes. Quando não dá tempo o editor adequa. Às vezes é engraçado (depois que eu paro para pensar, no momento não é nada engraçado!) quando eu tenho três matérias para escrever, uma de Entretenimento, uma de Polícia e uma de Cidade. Eu simplesmente paro e pergunto para os editores qual eu devo escrever primeiro.
16. A grande maioria das capas do Massa! apresenta manchetes relacionadas à violência. Você acredita que isso reflete algum valor-notícia priorizado pelo jornal?
Polícia é o carro-chefe do jornal, mas isso também pensado na questão do público. Tem até aquela brincadeira, que eu não se se é tão brincadeira, que o pessoal fala, do jornalismo popular. Seriam os assuntos que mais interessam aos leitores: polícia, esporte, mulher. Então sempre tem a mulher na capa e polícia, que quer queira quer não, é sempre capa.
17. Você concorda com a brincadeira?
Concordo. Você nunca vai ver no A Tarde tantas manchetes sobre Polícia. No Massa! você vê, e é de fato o que o público do Massa! procura, se você for analisar os números da circulação, quanto vendeu de acordo com o conteúdo da capa. Houve um fato recente que a vendagem aumentou muito por causa de determinado conteúdo da capa relacionado à questão policial.
18. Na academia adquirimos certa cultura de escrita, que é refletida em nossas publicações. Lendo as matérias do Massa! percebe-se uma aproximação com a linguagem coloquial. Você teve dificuldade em adequar essa linguagem?
Não, eu tive mais dificuldade com o tamanho do texto, e com o formato também. Por exemplo, é básico do texto jornalístico priorizar a ordem direta, mas naturalmente eu já falo na ordem inversa. Inclusive essa frase foi na ordem inversa, o ‘naturalmente’ deveria ter vindo no final. Eu tive muita dificuldade no treinamento porque a gente começou um mês antes de o jornal ser lançado, e era pra ver tudo isso, o público, o jornalismo popular. Você se depara com uma reportagem que tem 30 cm de texto e considerando as colunas do Massa!, que são menores. Tive muita dificuldade com o tamanho. A linguagem coloquial, no inicio era muito novo, mas eu já me sinto confortável para brincar. Adoro quando as minhas editoras viram para mim e falam que eu posso brincar. Saiu em Economia uma reportagem de sugestões de programas para o dia dos namorados e ideia da pauta era: “o jantar e o jantar”. Eu brinquei o tempo todo com essa coisa de jantar e jantar, da sobremesa, quem queria um ambiente mais intimista para o primeiro jantar. No começo era tudo muito novo, eu tinha acabado de sair da faculdade, escrito minha monografia em uma linguagem totalmente diferente, escrevia para o A Tarde, nada de coloquial, e aí você vê que pode fazer isso. No começo a editora sempre falava que estava sério, que podia brincar mais. Mas eu me acostumei, agora até gosto dessa coisa de poder brincar.
19. Você acha que o Correio* também tem isso?
Sim, mas essa brincadeira deles eu percebo em matérias pontuais. Por exemplo, eles fizeram uma matéria sobra a Estação da Lapa e associaram a um ambiente tenebroso, tal. Mas eu sempre acho que essas brincadeiras eles trazem na capa, mais para chamar atenção. No Massa! você vê isso na capa e nos textos. Polícia brinca muito com isso. Esporte é de um modo geral, todo mundo brinca.
20. Vocês mesmo que sugerem título, legendas?
Sim, a orientação é essa. O Massa! é muito livre a título de produção, o repórter pode sugerir, fotografar. Todo mundo entrou sabendo que ia escrever e fotografar com o celular, se precisasse. Tô lutando por uma câmera! Os fotógrafos geralmente ficam com os repórteres de polícia. E é tudo muito livre, a gente sugere pauta, boxes, foto, e dependendo da operação, pode até surgir uma série de três dias, como foi o caso da Estação Pirajá. Então eu acho até mais livre a título de autonomia do repórter, do que no próprio A Tarde. Os editores dão essa liberdade, é um estímulo deles.
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