segunda-feira, 2 de julho de 2012

“O maior concorrente do jornal hoje em dia é a televisão” | Cláudio Bandeira

Alan Tiago Alves, Cássio Santana e Raul Castro




Cláudio Bandeira é editor-coordenador da editoria Salvador e Região Metropolitana do Jornal A Tarde, onde atua há 16 anos. O gosto pela área de Ciências Humanas e a busca por algo que abrangesse vários aspectos e não fosse tedioso levou Bandeira a escolher o jornalismo como profissão. Soteropolitano, ele se formou pela Faculdade de Comunicação da Ufba em 1985.

Bandeira também já trabalhou na Tribuna da Bahia e na TV Aratu. O jornalista atuou em diversos cargos, sendo repórter, editor, copidesque e subcoordenador. Quando deixou o Tribuna da Bahia, por volta de 1995, o editor lembra que o jornal passava por dificuldades. “O Tribuna estava falindo, teve um processo de desgaste. No A Tarde, tive uma nova experiência em um jornal. Era um jornal que tinha uma construção de informação completamente diferente da Tribuna. Aqui era um jornal mais maduro”.

Na entrevista, Bandeira fala sobre a rotina de trabalho na editoria de local e, em meio à imensa quantidade de informações que chega ao conhecimento dos jornalistas, como são escolhidas as matérias que merecem sair nas páginas do jornal e quais serão destaque. O editor-coordenador também explica como fatores estruturais, organizacionais e de tempo podem interferir na construção da notícia e responde se uma notícia pode ou não cair por conta de interesses políticos e econômicos do veículo. Confira!


Como é a rotina de quem trabalha na editoria de cidades do Jornal A Tarde (dia a dia, reunião de pauta, cobertura, edição, fechamento)?
Para a escolha das pautas, nesse novo modelo, existem algumas possibilidades: primeiro temos as sugestões e reclamações da comunidade. O A Tarde nunca abriu mão disso. Temos, também, pautas criadas a partir de uma agenda própria. Vivemos em um mundo altamente concorrencial e a gente precisa ter algum diferencial para poder publicar e não ficar todos os dias naquela coisa do factual, do esperado. Então, a gente tem as sugestões advindas da comunidade, pautas especiais criadas pela coordenação e pelos repórteres, que são o grande núcleo de origens dessas pautas. Os repórteres estão na rua, estão conversando com várias fontes, estão vendo problemas, estão descobrindo uma realidade que às vezes quem está na redação não vê. Por isso defendo que o jornalista não deve ficar na redação a maior parte do tempo. Ele deve ir à realidade, conversar com as pessoas, ver a fonte cara a cara para poder interagir. As pautas surgem assim. A partir disso, eu, que sou o coordenador, me reúno com a chefia de reportagem, Cleidiana Ramos, e trocamos algumas ideias sobre a condução e as possibilidades. Por exemplo, para que uma pauta possa se realizar, ela precisa ter abrangência. Sem abrangência, ela atinge núcleos restritos de interesses. Eu não vou me interessar sobre acidentes de moto se eu não conduzo motos, mas aquilo pode me perturbar de alguma forma, porque eu posso ser atropelado por uma moto. A gente pensa muito nessa coisa da abrangência no momento das escolhas.


Quais os critérios de noticiabilidade adotados para a escolha das notícias que sairão no jornal e, também, a forma como sairão – questão do enquadramento?
A abrangência, a relevância, o interesse comunitário e, sobretudo, a questão do global a partir do local. 
Todos os jornais que cresceram, nunca abandonaram sua terrinha, seu umbigo, embora todo mundo queira estar inserido num todo. Mas o local é sempre a nossa realidade. Além desses critérios, é preciso perguntar o que a gente tem como notícia. Essa é uma pergunta importantíssima. Eu posso fazer uma matéria, mas aquilo pode não ter notícia alguma. Por exemplo, eu quero falar sobre os acidentes envolvendo motociclistas: há muitas motos, fiscalização deficiente e, às vezes, falta de preparo do próprio condutor da moto. Mas qual é a notícia disso? Não tem novidade. Mas, é divulgado um estudo do Ministério da Saúde e diz que a Bahia é um dos recordistas de números de acidentes e de mortes em condução de motos. Pronto, a notícia surgiu. Isso ganha um peso. Então, você tinha um tema, um cenário, mas não tinha ainda um fato concreto jornalístico. Com o resultado da pesquisa, a gente passa a ter um fato e essas questões são levantadas.
Outro exemplo é a questão da educação: temos uma greve de mais ou menos 75 dias, o que corresponde a três meses, agora, no dia 11 de julho. Isso tem importância? Respondo: total! Tudo bem que os professores têm direito à greve; os professores estão mal preparados e são mal pagos, mas ai vem uma coisa maior que é um bem fundamental chamado educação, um instrumento de cidadania. São coisas que parecem não ter peso a priori, mas têm um peso na construção de uma realidade de futuro, sobretudo pelos jovens que precisam se encaminhar de alguma forma. Esse é outro tipo de notícia. Não é uma notícia hard news, mas é uma notícia de formação do cidadão. Temos, também, os temas relacionados à saúde, a pobreza, a falta de saneamento, a questão dos bairros pouco atendidos pelo poder público, os surtos de leptospirose, surtos de dengue, o pipocar de casos de meningite. A gente acompanha muito esses casos, porque isso é uma obrigação da imprensa. Atinge a todos? Graças a Deus não, mas pode atingir. É um risco que cabe à imprensa alertar, como também cabe à imprensa investigar. Tive um professor na Facom, Renivaldo Brito, que respeito e admiro muito, que dizia que existia uma média de 27 a 28 tipos de lide para se noticiar. Segundo ele, cada um desses tipos levava a buscar um aspecto diferente. O fundamental, em minha opinião, na construção de uma notícia, além de humanizar e trazer personagens, é abordar, de fato, coisas concretas que interessem à comunidade, a sociedade, a cidade.


Qual o lugar social e o papel social do jornalista? E como sua visão de mundo interfere no seu trabalho?
Diziam que jornalismo era uma coisa de objetividade, de isenção, e que a polarização deve ser evitada e que você deve contemplar os vários aspectos. Ou seja, o contraditório e a diversidade devem ser respeitados, independentemente do que eu acredito. Mas seria impossível e eu estaria mentindo, se dissesse que minha escala de valores não interfere nas escolhas. Isso ai é real. Mas de que forma você evita que isso seja prejudicial? Por exemplo, digamos que você seja um oponente meu em alguma coisa e eu acho que não deveria te dar visibilidade. Nesse caso, eu estaria sendo criminoso se deixasse que minha opinião, diferente da sua, ou a minha antipatia por você lhe afastasse daquele fato. Então, eu sempre digo: jornalista não é para censurar, jornalista não é pra cortar e nem separar. E como fazer isso? É preciso ter consciência. Por exemplo, na cobertura de um jogo entre Bahia e Vitória, mesmo torcendo para um dos dois times, você deve flutuar em um mundo superior a isso, porque você está desempenhando uma responsabilidade social e deve mostrar as coisas da melhor forma possível, da forma mais abrangente possível. Baseado em critérios de responsabilidade, você tem que trazer o contraditório, o divergente, para a notícia. Mesmo quando você vai acusar alguém, essa pessoa também deve ser ouvida. É preciso ouvir quem acusa, o acusado, o advogado do acusado. Você vai ter que criar um diálogo entre as fontes, porque, se você se envolve, você deixou de fazer jornalismo. Não existe preferência para quem está em um cargo como o meu; existe consciência.

Quem é o público-alvo do jornal A Tarde?
O novo direcionamento editorial indica que A Tarde tem um público preferencial que chama de classe A e B e uma ponta da classe C, uma classe que está ascendendo ao consumo. As classes A e B representam a classe média. São as pessoas que têm profissões, que têm escolaridade alta, que têm alguns tipos de padrão de vida. Mas isso não quer dizer que seja excluído o restante da realidade em que a cidade está inserida, os bairros não atendidos pelo Estado, as pessoas excluídas que, inclusive, são maioria na cidade. Ou seja, apesar desse produto ser direcionado às classes A e B, e essa parte ascendente da classe C, não impede que eu mostre o que está acontecendo no subúrbio ferroviário ou nos bairros mais carentes. A gente procura fazer pautas que atendam preferencialmente a esses grupos de consumo identificados por pesquisa. Isso não se escolhe, é uma escolha simples, é preciso fazer uma avaliação de mercado para poder direcionar o produto.

O Massa! foi criado para atender a um público que o A Tarde não alcança?
O Massa! é um jornal que segue um modelo que tem um grande sucesso e apelo em várias cidades da América Latina. Ele segue aquela coisa do fato policialesco ou de alguém famoso, ou nem tanto, mas que tenha alguma projeção nesse grupo. Nesse caso, estamos falando das classes C e D. Às vezes, essas pessoas não estão muito interessadas em elaborações. Mas você tem economia popular, tenha saúde, porém tudo é tratado com aquela abordagem específica. Eles identificaram que havia um apelo dentro da cidade e a cidade não tinha um jornal com esse tipo de perfil, que é um perfil popular. Percebe-se que há uma predominância do noticiário policial, que no A Tarde a gente chama de segurança, porque é uma linguagem mais elaborada. No A Tarde, quando se noticia, todos são acusados e todos são suspeitos. É o que manda a legalidade para o tratamento das pessoas, porque ninguém está aqui para julgar, a gente está aqui para noticiar. Porém, nessa outra realidade, as pessoas querem a vida mais crua, mas não quero dizer que se desrespeite a lei. A coisa já é apresentada de outra forma. No A Tarde a gente tem reduzido muito o noticiário policial. Mas, por exemplo, no caso dos dois rapazes que foram mortos brutalmente em Camaçari, você não vai de forma alguma, deixar de publicar. O Massa! é voltado para as pessoas mais pobres, que ganham Bolsa Família, mas que querem ter alguma coisa com a qual se identifiquem.

Nos quinze dias analisados, matérias da editoria de cidade forma manchete de capa em nove edições. Qual o critério utilizado para determinar a matéria de capa? Dá-se maior valor à proximidade? Como é escolhida a notícia que será destaque na pagina A4, a principal do veículo?
Fazemos duas reuniões por dia (uma pela manhã e a outra à tarde) com a presença do secretário [de redação], com a presença dos editores.  Tem-se uma produção de várias editorias: Local, com Salvador e Região Metropolitana e interior da Bahia, a editoria de Política, de Economia,  Mundo e a Últimas notícias, mais voltada para Salvador. A partir disso, fazemos uma escala de pesos de notícias, usando vários critérios como proximidade, abrangência, gravidade e o que isso diz respeito ao meu público. Coloque-se do outro lado e imagine você em uma banca de jornais. Eu compraria esse jornal por quê? Notícia é um produto à venda, como diria Cremilda Medina. Isso aqui não é um brinquedo de juntar notícias. A partir desses critérios, se escolhe o tema mais significativo. E, às vezes, a cidade está de tal forma que você consegue produzir temas relevantes na área de segurança, na área de saúde, educação, a questão da greve. Nesse aspecto, a primeira e mais importante característica da uma notícia é a proximidade, o local. Mas, por exemplo, o Paraguai no dia em que o impeachment do presidente foi manchete. É longe, contudo, naquele dia, o assunto ganhou uma força porque foi grave. O que aconteceu foi muito rápido e ninguém sabe exatamente que tipos de interesses motivaram aqueles senhores [os membros do congresso paraguaio] a fazer isso tão rápido. Portanto, Paraguai como manchete. Nesse dia, Salvador tinha coisas interessantes, mas aquilo [o impeachment] era muito mais interessante em termos de estabilidade de democracia, dos riscos disso nessa cadeia latino-americana, de história recente de ditadura.


E quanto aos títulos, legendas e fotos, como são definidos?
O título é uma arte complicada. Para você dar um título não é simples de se aprender. Todo mundo pode titular, mas dá o título certo não é fácil. Tem que ter um número exato de caracteres, uma objetividade que seja um forte de identificação imediata. Além disso, título de jornal tem que ter verbo, já que isso aqui não é revista, que fica colocando duas palavras. Às vezes tem títulos esquisitíssimos de duas palavras que não dizem absolutamente nada, mas que também podem dizer muito. Em relação à foto escolhida, a decisão é resultado da participação da editoria de foto com o secretário e com o editor de fechamento. Você tem que escolher a foto que lhe diga e lhe transmita uma melhor impressão. E importante lembrar que hoje há a concorrência com o mundo visual, não é? O mundo da TV e o mundo da internet são exemplos.

Qual o principal concorrente do A Tarde?
Não sei. Você vai ter que entrevistar o pessoal do marketing, da circulação.

Não é o Correio*?
Não. Essas coisas não são da minha área.

E qual o diferencial do A Tarde para os demais meios de comunicação da Bahia, já que você tem uma experiência de ter passado por vários outros veículos?
O grande diferencial do A Tarde é esse projeto que estamos construindo a partir de modelos instituídos ao longo dos últimos anos. Temos um modelo de agenda própria, de investimento em notícias analíticas, aumento do corpo de colaboradores analistas que contribuam para fazer uma notícia diferenciada que transcenda, supere e que vá além do factual. O maior concorrente do jornal hoje em dia, ou o mais obvio, é a televisão. A televisão tira sua criatividade de ineditismo. É preciso ir além da televisão e se agendar. Isso é importantíssimo. Não quer dizer que você não vá falar de coisa significativa que a televisão deu, mas aquilo não vai ser seu carro-chefe.

O jornal A Tarde foca mais o interesse público ou o interesse do público? 
Nessa questão da segmentação e nessa questão da falta de espaço, eu procuro, embora não sei se isso é possível, focar mais o interesse público. O interesse do público é mais coisa do ‘diversional’. Nesse caso a gente vai para o nosso amigo, o Massa!, bem construído nesse sentido, embora também tenha muitas coisas que sejam promotoras de cidadania. Mas no lado de cá, pelo menos na editoria de local, eu acho que não. Mas, esses dias, a Gisele Bündchen estava aqui e, como não teve condições de sair no Caderno 2, então não havia porque não publicar uma foto curiosa de uma modelo famosa brasileira. Isso é inevitável na mídia. Mas é bom prevalecer o interesse público.

Qual a linha editorial e política do jornal A Tarde? 
Hoje, existe um projeto editorial que está acessível e que as pessoas talvez desconheçam. O jornal é plural, é um jornal comunitário, é um jornal do contraditório, tudo que eu lhe falei. Isso é uma prática de sobrevivência realista. Ou seja, você não pode, hoje em dia, fazer um jornal de apoio de grupos, de segmentos. No passado isso era muito comum. A sociedade cansou. E você tem que procurar ser o mais abrangente possível e solícito das demandas diferenciadas. Você não pode ficar só com o governador, tem que mostrar os outros partidos. Você não vai ficar só com essa visão de realidade atual de administração de Salvador, você tem que abranger outras, porque tudo é muito dinâmico. O jornal precisa dessa prioridade de ser comunitário, de ser plural e de ser diverso e dar direito ao contraditório se expressar.

No dia 15 de Junho, o jornal A Tarde não deu nenhuma matéria referente ao São João na editoria Salvador e Região Metropolitana (A4 a A6), enquanto o tema foi abordado nos demais veículos (sobretudo a apreensão de fogos de artifício em alguns bairros de Salvador). No dia, o destaque da editoria foi: “Conheça os critérios para escolher a melhor faculdade (Salvador, A4)”. Por quê?
Nós temos uma agenda própria. A gente não fica correndo atrás do que os outros estão noticiando. Nesse caso, é preciso distinguir o seguinte: em que bairros foram feitos essas apreensões e se isso faz parte do estilo noticioso do jornal A Tarde. Vão entrar vários componentes de decisão dentro de um espaço restrito, devido a atual conjuntura. É preciso avaliar, também, que ninguém deu essa matéria sobre as faculdades e o posicionamento da Ufba no ranking divulgado. Isso é uma coisa significativa que interessa a um público imenso. A Ufba está em um processo de greve, de protesto, e também entra a visibilidade da questão da pesquisa. E uma pergunta a gente faz: porque os demais jornais também não correram atrás disso? É um assunto que envolve educação, a questão de uma instituição da importância da Ufba, que tem uma participação grande na vida da cidade e do Estado. A questão é essa: trata-se de uma agenda diferenciada que é a agenda do jornal A Tarde.

Uma notícia pode cair por conta de interesses políticos e econômicos do veículo? E se as questões estruturais, organizacionais e de tempo interferem na construção da notícia?
As questões organizacionais, estruturais e de tempo interferem, sim. Às vezes, você planeja um objetivo para ser concluído em um horário determinado, o dead line, e, às vezes, é humanamente impossível por milhares de obstáculos encontrados pelos repórteres. Você pode não encontrar a fonte, ou não encontrar a fonte ideal, pode não encontrar alguém que esteja disposto a fazer críticas em relação um determinado problema. Às vezes, todo um processo de construção esbarra no que a gente mais tem de precioso, a fonte. Quanto aos interesses econômicos e políticos de uma empresa e se isso pode derrubar matéria, eu não tenho conhecimento e nem nunca fui cerceado. Você tem que ter um nível de responsabilidade. Você não pode sair por aí atacando todos como se você fosse um justiceiro. Agora, eu nunca recebi nenhuma interferência. Desconheço o que ocorre em outros veículos. Mas na minha passagem nessa coordenação, as coisas propostas foram concluídas dentro de um nível de responsabilidade, dando voz a todos, sem tomar parte. Agora, se isso acontece, eu não sei. Eu estava lendo uma entrevista de Alberto Dines, na revista da Fapesp, onde ele fala de coisas interessantíssimas sobre a luta dele em querer renovar o jornalismo.  Foi ele, inclusive, quem criou a redação unificada. Ele aborda isso a partir de uma junção política que vem de fora para dentro, como foi o caso da ditadura, que censurava, impedia. Os jornais começavam a temer e, a partir disso, já criavam uma espécie de autocensura. Mas espero que a gente não precise mais desse tipo de reserva.

domingo, 1 de julho de 2012

“Se você tem uma tendência para um lado ou para o outro, isso fica evidente na matéria. Isso faz com que se perca a credibilidade a curto ou em longo prazo” | Alexandro Mota

por Guilherme Reis, Vitor Gabriel e Victória Libório



Aluno do 6º semestre de jornalismo, Alexandro Mota já fez assessorias de uma ONG e de um deputado na Assembleia Legislativa da Bahia, foi  bolsista de iniciação cientifica CNPq com pesquisa sobre planos de comunicação para estudos de saúde, como o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, ligado ao ISC - UFBA e participou da 1ª edição do Programa Jornalismo de Futuro. A partir daí, as portas para ele começaram a se abrir. Hoje é estagiário do Correio*, publicando matérias quase que diariamente. No Jornalismo de Futuro, ajudou a elaborar o caderno ZIN! Escreveu, em parceria com uma colega, a matéria de capa. Para ele os critérios de noticiabilidade não são tão calculados como se estuda nas Teorias do Jornalismo: “Eu não sei se é tão calculado e fechadinho desse jeito”.


Como é o seu dia a dia?

Eu estudo pela manhã e estou no Correio pela tarde. Costumo pegar em média às 13 horas e saio ao final das pautas, que quase nunca têm horário determinado. Geralmente existe uma variação. Às vezes eu trabalho duas, três horas... Por exemplo, hoje mesmo eu vou pegar três horas para ficar até o fechamento. Sempre tem mudanças rotineiras. E a gente trabalha dois finais de semana, na verdade um sábado e domingo no mês, que é o que chamam plantão, e folga os outros três finais de semana.

Você acha o Correio um produto popular?
Quando você chegar à [professora da Facom] Itânia Gomes, vai rever essa noção de jornal popular. Eu acho que, apesar de ter se tornado um clichê dizer isso em relação ao jornal, acho que é variado. Porque você tem um jornal que fala de economia de uma forma densa, o que não é algo popular, mas também fala de crimes. Até tem essa distinção. De um jornal que vende a cinquenta centavos, mas de fato, não acho que esse valor o torna popular porque o torna acessível. Não coloco nenhum juízo de valor para caracterizar o Correio como um jornal de classe C e D. Não acho que é melhor, ou mais legal, dizer que é um jornal para A e B. Acho melhor dizer que é um jornal misto. Na produção, é um jornal misto no conteúdo. Você vê o A Tarde: ele é claramente pontual em relação à síndrome de ser um “jornalão” como é o The New York Times e a Folha de S. Paulo, de temas rebuscados, com textos mais densos... Isso de fato o posiciona no lugar de um jornal que eu diria quase que exclusivamente A e B. Mas o fato de o Correio ser mais flexível para ter, às vezes, textos que beiram o jornalismo literário, ou outros textos que são de fato como as grandes agências de notícias, mas que se levam a sério, não há bloqueio que ele seja consumido como um jornal sério. Como mostra uma pesquisa, as pessoas passam pouco tempo com um jornal impresso, e elas selecionam aquilo que elas querem ler, ou não. O jornal não oferece um conteúdo pra A, B, C ou D, ele permite que você tenha possibilidade de comprá-lo, independente da classe social que está, vai ler aquilo que lhe interessar. Tem um conteúdo que se flexibiliza dessa forma.

Qual a linha editorial do Jornal?
O jornal, no geral, tem muita abertura quando se trata da formação das pautas. Existe sim, às vezes, expectativas em relação às pautas. Espera-se que tal coisa seja feita, porque isso que constrói a notícia. O repórter quando vai pra rua, ou quando apura independente de ser na rua ou não, ele procura pela verdade dos fatos. E como todo bom jornalista, você preza por observar todos os ângulos da questão e o equilíbrio dos fatos. Existem coisas que se sobrepõem às outras. Isso é uma coisa que eu já vi muito. Se você tem uma fonte oficial e tem uma fonte secundária, digamos óbvio que de alguma forma o que uma fonte oficial diz tem um peso maior. Isso eu não acho que seja nem uma editorialização, mas é uma questão de você saber medir quem tem uma autoridade para falar sobre esse ou aquele fato.

Pertencendo a um grupo político, há influência na publicação de alguma matéria?
Eu não acho que existe direcionamento. Por mais que saiba que pertence a um grupo, uma família. Mas nesses seis meses de experiência que eu tenho, não percebi nenhuma ingerência, nem nenhum direcionamento para esse ou aquele ângulo. E eu acho que isso que faz com que o jornal tenha credibilidade. O leitor percebe. Se você tem uma tendência para um lado ou para o outro, isso fica evidente na matéria. Isso faz com que se perca a credibilidade a curto ou em longo prazo.

Você sente falta de uma Editoria de Política no Jornal?
O jornal já tem uma editoria que é o “poleco”, política e economia, que geralmente trata mais dos fatos nacionais e internacionais, mas também trata da Bahia. E recentemente foi o Jairo Costa Júnior, que é repórter especial e quem geralmente cobre as pautas de política, junto com Rafael Rodrigues, outro repórter, que estão fazendo. O que eu não sei lhe dizer é se já foi instituído como uma editoria, mas eles já estão separados e já estão trabalhando cobrindo política. Não sei se isso vai perdurar depois das eleições. De alguma forma, já tem uma organização de editoria. Eu não sei dizer se isso já foi instituído. Mas já foram separados da editoria de cidades especialmente para isso. Eu acho importante ter essa mudança. Até porque política é algo que requer primeiro, muito conhecimento específico do campo e requer também que os repórteres não só estejam no meio, mas que também sejam de alguma forma conhecidos para que possam cativar a fonte, então é importante ter essa divisão pra que o trabalho de alguma forma flua, permita que haja um acompanhamento, para que as matérias sejam mais quentes, etc.

Quais são os critérios de noticiabilidade dentro do Correio?
Critérios de noticiabilidade, eu acho que seja uma coisa importantíssima para se discutir na faculdade, mas que na prática é muito difícil você identificar. Como é o processo de escolha? Porque às vezes que você vê uma coisa que no início do dia parece ser o mais importante, no final não é mais. Muito complicado. O forte é dizer que as coisas que têm relevância na cidade, especialmente para Salvador. Apesar de que estamos dando muita coisa de interior, porque o interior tá crescendo muito e esse crescimento vêm cheios de problemas, problemas das capitais, como a criminalidade. Geralmente o que é de interesse da cidade, o factual e o que é mais quente; não tem como não terem fatos. É muito difícil explicar, porque não tem explicitado isso de escolha da noticiabilidade. E eu também não sei se as escolhas são tão calculadas como a gente estuda nas Teorias do Jornalismo. De dizer que uma morte vale mais do que tal coisa. Eu não sei se é tão calculado e fechadinho desse jeito.

Já ocorreu de você não cobrir alguma coisa porque não teve recurso, ou de uma pauta cair durante o dia?
Isso de se deixar uma pauta no meio acontece muito. Principalmente por conta de acontecer algo mais importante e você ter que ir cobrir. Outra coisa é que às vezes você está num lugar e te chamam pra fazer cobrir outra matéria. Por exemplo, vou pra uma reunião, chego lá, não necessariamente eu preciso ficar até o final pra saber de tudo, mas posso falar com uma pessoa, cativar uma fonte. Pego o telefone dela e falo: “Olha, te ligo mais tarde para saber como foi o final.” Não é o ideal, né? O ideal é que você acompanhe a pauta até o final. Mas acontece de você está em um lugar e pode acontecer alguma coisa mais importante. Às vezes você é chamado para cobrir uma manifestação, às vezes as pessoas ligam: “-Olha, fecharam a paralela.” Aí você vai lá e tem umas cinco pessoas. Não vale, entendeu? A pauta cai por si. Você vai fazer outra coisa, você tá na rua, se tiver outra coisa pra fazer, você vai fazer logo. Então, é muito comum isso, e a gente que tá na rua, a gente tem a possibilidade de indicar uma pauta, defendê-la ou criticá-la. Quando você sai você sente o clima, o que pode ser de fato mais importante ou menos importante por seus contatos com a fonte. Dá pra perceber se a pauta é a aposta do dia, ou se ela vai cair. Eu acho muito bom, porque eu acho injusto com o leitor, você noticiar, ou dar determinada importância a algo só por uma questão de planejamento. É importante que esse planejamento tenha uma deixa para o que for de importante ter mais espaço e ser valorizado. E o que não for de interesse da cidade, que caia ao longo do dia mesmo. Ontem eu recebi cinco pautas. Apurei quatro e uma caiu logo no início.

O fato das matérias factuais serem sintéticas interfere na escolha das fontes e na construção da matéria?
O jornal tem duas páginas, que é o 24H, com as matérias menores, e o Mais, que são as matérias aprofundadas. O 24H tem o que há de mais factual, mas acho que temos que considerar algumas coisas; muito do factual, o que é mesmo quente, vai estar no jornal do outro dia, já se leu sobre isso na internet, já viu no BATV. Se você pegar um texto gigante sobre um tema que de algum modo já teve repercussão no dia anterior, considerando que o jornal só sai no outro dia, isto faz com que tenha uma série de coisas desnecessárias. Quando você tem um texto menor, óbvio que isso gera uma limitação em escrever, mas de verdade às vezes quando eu faço 24H, em nada interfere a apuração. Fazer um 24H, ou fazer um Mais, às vezes a apuração requer o mesmo tempo e o mesmo esforço. A diferença é só o produto que sai, na forma de hierarquizar. O que é que “sobra” pra se dizer no outro dia sobre determinado assunto? Isso falando de algo que já aconteceu. Você se dá com aquilo dentro de determinadas funções, coisa que não é algo que requer tanta análise, ou tanto especialista, você vai querer tratar do fato especificamente. Às vezes o 24H é o “lidão” do A Tarde. De fato, quem lê a matéria da tarde lê tudo, ou só lê o fato? Se você já soube disso no outro dia? Se você já soube que ontem, à tarde, uma pessoa foi morta na frente da Universidade da Bahia, por exemplo? No outro dia, o que sobra dizer? Sobra dizer que de alguma forma alguém foi preso, ou coisas que de alguma forma antecede algo que você já sabe. Em relação ao Mais, nem sempre ele é tão frio assim. Às vezes tem muito factual no Mais. Só depende, às vezes, de ter uma pauta que valha ter uma repercussão maior. Por exemplo, a greve dos professores está sempre no Mais. Mas porque você tem algo factual com muito valor humano; você tem muitas historias de gente que está sem ter aula, uma série de tendências políticas em relação a isso, então, de fato, existe muito a se explorar. É factual e está no Mais. Às vezes os factuais do 24H nem sempre são tão curtinhos assim. Tem 24H, que são geralmente as aberturas de página, que se a gente for falar de tamanho, às vezes são tão grandes quanto às matérias do Mais, que chamam de “Mais chumbado”. Que você tem uma abertura do Mais que é um texto que não tem nenhuma publicidade, e outros que são textos maiores, geralmente com publicidade embaixo, então não é uma página inteira.